«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, fevereiro 26, 2006

21. Waldemar Bastos, um artista maior

picture by: copyright: Joke Schot

"Renascence", podemos dizer, é a obra-prima de Waldemar Bastos: “representa o amadurecimento absoluto da minha música. É mais profundo e maior. Não consigo pensar em quaisquer outras palavras. É uma síntese da minha vida. Eu derramei a minha alma neste disco.” Na avidez das primeiras audições, destaco pessoalmente dois temas, "Pitanga Madurinha" e "Sabores da Terra", que me arrebataram e fizeram estremecer a alma e os sentidos. Deflagrou a tal identificação/conexão de sentimentos entre o autor e o fruidor da obra de arte. A beleza criadora de um é revivida pelo outro, reflectida no outro. "Renascence" é um disco de pormenores para descobrir e deliciar-se progressivamente. E no fim surge um bónus: uma versão mais viva e ritmada de "Kuribota", a minha preferida do álbum anterior. Obrigado Waldemar. 

Tive o privilégio de conversar e estar com Waldemar Bastos, quando esteve na Madeira, pela primeira vez, em 1998. É de trato simples, muito aberto e caloroso. A sua presença na Região deveu-se a uma iniciativa da Casa da Cultura da Calheta e do seu coordenador Luís Guilherme Nóbrega, que organizou duas semanas muito especiais dedicadas à cultura africana: música, pintura, prosa, poesia, declamação e dramatização. Voltei a estar com ele quando de um concerto, que apanhei por acaso, em 2000, no belo Castelo de Bragança.

Waldemar Bastos, destacado músico angolano no campo da World Music - recebeu um grammy quando lançou "Pretaluz/Blacklight", surge com um novo álbum, "Renascence", depois de um hiato de sete anos. Se seguir o link neste "post" pode escutar parte das canções no sua página electrónica. Sendo universal (“não é um disco africano e não é um disco europeu; no entanto, é ambos ao mesmo tempo e muito mais, é universal”), a sua música é dominada pelas sonoridades africanas, cruzando-se com sonoridades afro-cubanas e do mundo da Lusofonia, incluindo Brasil e Portugal .

Em "Renascence" ouvem-se sons exóticos vindos do oriente, Turquia, inseridos com pertinência: “Eu sabia que era possível fazer estas conexões”, disse Waldemar. “Sempre adorei as qualidades melódicas da música turca e sabia que era uma junção perfeita”. Dirigido pelo produtor e programador, da Jamaica e do Reino Unido, Paul 'Groucho' Smykle (Gregory Isaacs/ Bad Audio Dynamite/ Black Uhuru/ Baaba Maal), "Renascence" foi gravado na Espanha, Alemanha, Turquia e Londres.

NOTA BIOGRÁFICA Nascido na fronteira de Angola com o Congo, em 1954, Waldemar Bastos começou a cantar e a fazer música muito cedo. “Cinco séculos de colonização levaram a que crescesse a ouvir muitas canções de muitas culturas diferentes”, explica. Além dos sons africanos que, naturalmente, absorvia de todo o ambiente que o rodeava, ouviu muita música brasileira e cita os Beatles, Nat King Cole, os Bee Gees e Carlos Santana como as suas primeiras influências não-africanas.

Mas, com a guerra pela independência a intensificar-se, Angola não era um sítio fácil para viver. Ainda estudante, Waldemar foi detido e preso, sem qualquer razão, pela policia secreta colonial portuguesa. Após Angola, por fim, conquistar a independência, em 1975, uma sangrenta guerra civil tomou conta do país. Waldemar, relutantemente, concluiu que este não era um ambiente propício ao desenvolvimento e crescimento de um músico e, numa visita a Portugal, em 1982, decidiu não regressar. Nos anos seguintes, viveu exilado na Alemanha, França e Brasil, onde gravou o seu primeiro álbum, Estamos Juntos, para a EMI-Odeon. Em 1985, assentou com a sua família em Lisboa, onde gravou o seu segundo álbum, Angola Minha Namorada, em 1990. A este, seguiu-se Pitanga Madura, em 1992.

Foi então que o ex-vocalista dos Talking Heads, David Byrne, comprou por acaso um dos discos de Waldemar numa discoteca lisboeta. Fascinado com o que ouviu, localizou o cantor e contratou-o para a sua editora, a Luaka Bop, em 1997; o resultado foi o premiado álbum Pretaluz/Blacklight, produzido por Arto Lindsay. O disco firmou-o na cena internacional da world music e, desde então, Waldemar fez digressões pela América, Europa e Extremo Oriente.

Em Abril de 2003, regressou a Angola, pela primeira vez em muitos anos, para actuar no estádio nacional da capital, Luanda, numa celebração pelo fim de anos de guerra civil. “Regressar foi a chave para este álbum, porque foi a primeira vez que vi paz no meu país e esperança e fé no futuro na cara das pessoas. Foi nesse momento que ouvi a voz do meu espírito a dizer-me para fazer este disco”.

Sem comentários:

Enviar um comentário