O Olho de Fogo é uma região autónoma na sua matriz. É autonomista. Mas defende uma autonomia que é cívica, além de política. Que não se fica apenas pelo sistema político, mas que se alarga ao cidadão e às esferas sociais e sectores de actividade da sociedade em que esse cidadão se move.
É um conceito de autonomia democrática e participativa. Em que cada madeirense é uma região autónoma. Porque só assim se forma, em concreto e na prática, o sujeito democrático, autónomo, participativo, responsável, capaz de pensar por si próprio e ser empreendedor na evolução e melhoria da sua vida e da sociedade.
Se se ler na barra da direita deste blogue a sua matriz, está lá «autonomista não bairrista». Em vez de «não bairrista» poderia estar «não provinciano». Não quer dizer que se consiga evitar sempre o bairrismo e o provincianismo, mas é a matriz, o pensamento que procura comandar a acção.
O EPISÓDIO DO FILME:
A recente "polémica" à volta do filme documentário "Lost Jewel of the Atlantic" veio expor o bairrismo uma vez mais. Ninguém viu o filme cá ainda mas tomou-se esse documentário como um ataque aos madeirenses, a começar pela própria notícia, da forma como deu enfoque à questão. Reagimos como uma criança rebelde vitimizada. Reagimos emocionalmente, inseguros. Ninguém pode "importunar" o «nosso cantinho do Céu». Amar a nossa terra não significa considerar inimigo quem discorda de nós, mesmo que pensemos que esse outro não tenha razão.
Para já, o trailer nada diz desse suposto ataque terrível. O filme não será, certamente, sobre o Governo da Madeira. Não faz sentido. Não somos o centro do mundo. Tenho quase a certeza que, além do episódio particular e exemplar da destruição das condições únicas da onda do Jardim do Mar, o documentário é universalista, no sentido em que aborda as questões da destruição das ondas surfáveis pelo mundo fora. O caso da Madeira será apenas um exemplo.
Lê-se numa síntese sobre o vídeo: «big wave footage combines with environmental activism and interviews with surfing greats.» Acima de tudo, o filme será sobre surf, com aquela espectacularidade que se reconhece ao desporto, com a defesa e o activismo ambiental pelo meio. O subtítulo do filme, «a story of big wave surfing... and paradise lost» é claro. O quem vem primeiro é até o «big wave surfing». Mas quero ver primeiro o filme antes de retirar todas as conclusões.
Depois «foi deliberado [em conselho de Governo] tomar as "demais providências adequadas à defesa da honra e do bom nome" da Região, do seu Executivo e da sua população», lê-se no Diário de sexta-feira. É como se todos os madeirenses tivessem sido ofendidos, tomando-se a parte pelo todo. Estou certo que quem ver o filme pelo mundo fora não confundirá a árvore com a floresta. Nem vai deixar de vir à Madeira por causa de um governo (não gostar do George Bush não significa desgostar do povo americano) ou de uma onda, embora essa onda fosse única e especial como se sabe, porque ainda existem outras em redor da ilha, sem querer, no entanto, minimizar a perda.
Amar a sua terra não implica ser territorial e bairrista, num atitude de fechamento, inferioridade e falta de confiança própria face ao que vem de fora. Não somos nem mais nem menos que qualquer outro povo do mundo.
Dito isto, pessoalmente evitaria apelidar o governo de «corrupto». A situação que retrata o filme fala por si e muito mais alto que qualquer acusação sensacionalista do género. As causas valem por si. Embora não seja uma novidade ou originalidade proferida pela Save the Waves, vamos ser honestos. Está na ordem do dia - bastaria lembrar o famoso livro de Maria José Morgado, "Fraude e corrupção em Portugal, o inimigo sem rosto", para nem referir iniciativas mais próximas e presentes como a de um deputado da Assembleia Legislativa da Madeira.
Assim, estou convencido que se trata de puro marketing, propaganda, de um chamariz relativamente ao filme documentário. Quanto mais polémica gerar mais publicidade dará ao filme - não estaria a escrever estas linhas se não fosse este episódio. O chamariz não pode ser a questão principal. Não faz sentido. Seria um filme enfadonho.
Aliás, nesta questão exemplar da onda do Jardim do Mar (Ponta Jardim) o Governo Regional realizou os seus objectivos e levou a melhor. A obra está feita. O filme relata acontecimentos do passado, de um assunto encerrado. O filme é sobre uma coisa que já aconteceu, não esqueçamos. Deveria ser colocada uma pedra sobre o assunto. É isso que o filme, embora pareça que não, eatará a procurar fazer. Encerrar um assunto. Cada qual com as suas razões ou não-razões.
Nota: num próximo post, motivado pelas oportunidades criadas por este episódio à volta do filme, farei uma avaliação da acção cívica e ambiental na defesa do litoral madeirense nos anos 2002 e 2003, que pude acompanhar de perto. É uma avaliação que não foi feita desde então. E é importante fazê-lo, falando das vitórias, das derrotas, das decisões acertadas, das decisões erradas, entre outros aspectos. Racionalmente. E sem chamar nomes a ninguém.
welcome to jamrock
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