«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

terça-feira, setembro 12, 2006

27. Natureza não é só serra e laurissilva

Parece haver um vago conceito, na Madeira, que natureza é verde e montanha, a maior altitude. O sítio Oficial do Turismo da Madeira ilustra, na galeria de imagens, o que é Natureza: vide aqui. Nada de costa marítima. Nem uma só fotografia. O Mar está numa secção à parte da Natureza e percebe-se porquê: a maioria das fotografias patentes aqui mostram locais, mesmo com o cuidado de apanhar os ângulos mais favoráveis (menos betão à vista), bastante intervencionados e artificializados. Desde marinas a praias designadas de artificiais.

Vamos a um exemplo prático. Atente-se às duas imagens (em cima, a Fonte do Bispo na Fajã da Ovelha e, em baixo, a praia do Portinho no Jardim do Mar):

Da mesma forma que se artificializou e betonizou o bocado de costa por que razão não se toca no bocado de serra? No outro dia, em passagem pela Fonte do Bispo, dizia-se que era demasiado natural, com demasiado verde e demasiadas árvores... Que era preciso colocar lá um campo de futebol sintético, um solário de cimento, uma promenade (em vez daqueles trilhos de terra), um enrocamento com areia amarela, umas paredes de betão a suster alguns sucalcos... Se o fazemos na costa porque não fazer na serra? É preciso humanizar (betonar) a serra. A serra tem algum estatuto natural especial relativamente ao mar?

Parece que verde e azul, serra e mar não é tudo natureza. Há discriminação quanto aos cuidados de preservação ambiental. Não é nada democrático. O ecoturismo por acaso exclui o mar e a costa? É só a serra e a laurissilva que é património natural autêntico que valha a pena proteger? É só a laurissilva e a montanha que proporcionam o contacto directo e autêntico com a natureza?

Vamos democratizar o direito à preservação ambiental e paisagística. Vamos praticar o conceito «do mar à serra» inscrito no hino da Madeira. Não para fazer à serra e à laurissilva algumas maldades betonantes que se tem feito à costa marítima, mas para conceder ao mar e à costa o direito a serem preservados.

Se a laurissilva pode ser património mundial, por que razão um surf spot de ondas únicas ou uma praia de calhau não podem ser património mundial e serem preservados?

O filme Lost Jewel of the Atlantic chama a atenção para a importância do património natural da costa da ilha da Madeira. Por razões não só desportivas, mas também económicas, turísticas e culturais. Para se manterem determinados equilíbrios essenciais entre o humanizado e o natural. Como disse Darin Pappas (SURF Portugal #164-Setembro 2006), o «controverso plano de protecção da costa do Governo de Alberto João Jardim alterou não só muitas das ondas da Madeira mas, fundamentalmente, danificou de forma implacável a experiência da ilha

Tanto na serra, como no mar, deveriam haver áreas intocáveis, para que o seu exotismo e autenticidade fossem mantidos, para que o contacto directo com a natureza, serra ou mar, fosse sempre possível. Para que essa experiência e relação com a natureza, na busca de sensações primeiras e telúricas, a que se refere Darin Pappas, não fosse mediada pelo artificial e pelo betão.

A qualidade de vida, o bem-estar, o equilíbrio e a felicidade do homem não dependem só - nem porventura sobretudo - do construído.

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