É pouco conhecido o projecto O Deve e O Haver, as finanças públicas e privadas na história da Madeira, desenvolvido por Alberto Vieira, investigador coordenador do Centro de Estudo de Hstória do Atlântico. Estes estudos foram invocados pelo presidente do Governo Regional, na Grande Entrevista, na RTP1, no passado dia 2 de Novembro, a fim de provar que o Estado Central muito deve à Região. Veja o saldo da dívida: séculos XV-XX.
Estas contas com o passado histórico, patente na página electrónica do historiador Alberto Vieira, além do seu interesse histórico-científico, na forma como estão a ser utilizadas, politicamente, no contencioso com a República, fazem-me lembrar duas situações:
- As disputas entre crianças, em que a discussão, assim que faltavam os argumentos, resvalava para um ajustar de contas com o passado, invocando e contabilizando actos e atitudes que não fazem mais do que tornar impossível uma discussão racional sobre o presente;
- Ou então aquelas discussões entre adeptos fanáticos do futebol, em que um caso de um jogo actual é motivo para relembrar um outro sem número de incidentes desfavoráveis ao adversário em causa, nem que seja preciso recuar até à data da fundação do clube ou à descoberta do futebol.
A história não deve ser esquecida mas também não deve ser oportunista. Há assuntos sobre os quais deve ser colocada uma pedra. Mas, por vezes, dá jeito ressuscitar uns factos, sobretudo se o que está em jogo é dinheiro... Contudo, certos ajustes de contas poderiam ser evitados. Se a Madeira acha que deve exigir mais do Orçamento de Estado para recuperar do seu atraso e insularidade deve fazê-lo, mas remontar até ao século XV para reivindicar uma dívida não será a melhor metodologia... Além disso, se «o que se fez na Madeira é em Portugal que se faz», o que se fez em Portugal não é na Madeira que se faz? Ou estas coisas só funcionam num sentido?
Será que é justo cobrar ao Estado português verbas, no século XXI, em consequência de políticas desfavoráveis à Madeira da autoria dos reis de Portugal ou de Salazar? Faz sentido os portugueses do continente, de um Portugal democrático, pagar pelas políticas e erros dos cleptocratas de regimes absolutistas e totalitários do passado face à Madeira?
Nessa lógica, as ex-colónias portuguesas como Angola, Brasil ou Moçambique, por exemplo, poderiam exigir ao actual Governo português a devolução das riquezas exploradas ao longo de séculos. Acontece que os povos dos «cleptocratas africanos», que Portugal ainda ajuda humanitariamente, contribuíram para a riqueza do império no passado. Esperemos que não se lembrem de fazer ajustes com a história.
Nessa mesma lógica, muitas regiões do país (a Madeira fez e faz parte de Portugal) também teriam contas a ajustar com o centralismo de Lisboa, ao longo de séculos. Era bonito o Algarve ou Trás-Os-Montes começarem a fazer contas e a cobrar as "dívidas" ao Estado Central. Assim se geram sentimentos de bairrismo negativo que pode desembocar em separatismos.
Ninguém nega a história. Outra coisa é usar como moeda de troca e arma de arremesso político factos históricos para obter dividendos financeiros no presente. Tudo se resume a dinheiro? É mais a barriga do que a razão a falar. Já agora, calcule-se os juros dessa dívida... incluindo a inflação... Será que a dívida é para usar como argumento para o Estado Central assumir de novo a dívida da Madeira, como fez o Governo da República, então liderado por António Guterres?
É claro que o presidente do Governo Regional da Madeira tem o mérito de ter colocado a Madeira no mapa e de ter obtido benefícios aos quais muitos se opunham num Estado centralista. Ninguém nega isso. Foi preciso firmeza e ousadia para a Madeira e a Autonomia se afirmarem e recuperarem de um atraso muito grande, fruto da insularidade e de outros factores, em que se inclui o tal centralismo do Estado que votava ao esquecimento as ilhas. Se a recuperação desse atraso se fez ou não da melhor maneira é outra discussão, mas a obra realizou-se. Todavia, o reconhecimento desse mérito não implica aceitar, acriticamente, todas as políticas e actos governativos da Madeira, nem determinadas atitudes com pouco de democrático.
O momento actual é de viragem ou, então, de encruzilhada. Quanto menos razão for utilizada, mais problemas serão criados. No final, o povo é que paga...
Internamente algumas câmaras (quando governadas pelo PS) viram o seu prato pobremente servido quando comparado com o do vizinho (gorvernado pelo PSD)...será que poderão exegir ao governo regional o diferencial...o pagamento da dívida?!
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