Quero lá saber que Transe de Teresa Villaverde tenha sido seleccionado para a «Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes», uma «das mais prestigiadas secções do mais importante festival de cinema do mundo», ou que isso seja entendido como «confirmação indiscutível do talento daquela que é» considerada por alguns a «realizadora portuguesa de maior prestígio internacional». Interessa o resultado na tela.
Salvaguarde-se o facto do tema de Transe - filme exibido no Centro de Artes da Calheta - ser pertinente, pela actualidade e pelo sentido interventivo e de crítica/social. Merece toda a solidariedade (e combate cívico) esse sofrimento humano. Uma mulher de vinte e poucos anos, Sónia, abandona namorado e família, em São Petersburgo, na Rússia, e decide partir. Tem a ilusão de uma vida nova, sonha enriquecer, mas conhece a destruição da dignidade, a miséria, a degradação e a violência. É a realidade do tráfico e exploração de seres humanos, neste caso para a escravidão sexual. É o submundo da Europa, dominado por máfias e pela exploração dos mais fracos e vulneráveis.
O que chateia no cinema português é a monotonia, a pouca desenvoltura, a escassa empolgância, incapaz de agarrar o espectador pelo pescoço, não importa se o disfarçamos com eufemismos. O espectador não é puxado para dentro do filme: fica quase sempre à distância olhando o filme. O cinema artístico, de autor, intelectual (cerebral), mais complexo e inteligente, menos imediato ou óbvio, independente, alternativo, não massificado, invulgar, que evita o reles efeito/ditadura de normalização e da linearidade não tem de ser enfadonho, inverosímil, pouco escorreito, com cenas por vezes desgarradas, sem perceber-se a sua intencionalidade, ou fazer as pessoas sentirem vontade de sair a meio da exibição.
Percebe-se, desde logo, que o filme é contemplativo e árido. E é nesse espírito que deve ser visto. A contemplação e a aridez podem ser belos, seja no cinema ou noutros campos da arte. Estou a lembrar-me, por exemplo, do filme-documentário Baraka (1993) de Ron Fricke, altamente contemplativo, mais do que isso é meditativo, não-verbal, com longos planos, sem trama, sem efeito de normalização, mas com elevada qualidade e sem nunca provocar monotonia no espectador. Outro exemplo? O Saraband (2003) de Ingmar Bergman. Mais um exemplo? In the Mood for Love (2000) de Wong Kar-Wai. Ainda mais um exemplo: Irreversible (2002) de Gaspar Noé, um filme negro, intenso, duro, com uma temática de violência sexual mas com efeito de real e empolgante. Ainda hoje, quando revi umas cenas dessa obra-prima chamada Sin City (2005) de Robert Rodriguez - baseado na banda desenhada de Frank Miller - deparei-me com a evidência da sua temática ficcional (sem ligação directa com factos) e "irreal" ser mais verosímil, impressiva, intensa e com maior impacto do que a temática brutal (e humana), baseada em factos reais, na nossa Europa actual, do Transe de Teresa Villaverde.
Contudo, nem com esse espírito contemplativo se consegue ir até final de Transe sem esforço e aborrecimento. A parte inicial, a primeira metade, não corre mal, por ser um tanto escorreita, mas depois torna-se repetitivo, maçador, sem ritmo narrativo, sem dinâmica, sem explodir. O espectador é empurrado para fora do filme. Este arrasta-se até final, com planos estáticos, previsíveis e até inverosímeis, exceptuando as cenas no bordel italiano, em que alguma dinâmica e a música familiar dos anos 80 tornam verosímeis. Mas, a banda sonora é encaixada e desencaixada a martelo nas poucas vezes que irrompe. Parece que, a partir de dado momento, se demoram os planos para preencher o tempo necessário para o filme terminar. Um filme para meia-dúzia de pessoas ver, para uma elite intelectual, barroca.
O que chateia é os contribuintes, neste caso de Transe através da participação financeira do ICAM - Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia - e da RTP, serem obrigados a financiar, com milhares de contos, filmes que depois não têm público e a qualidade que se deveria exigir (será que o Governo não vê estes cineastas privilegiados?). O sucesso artístico não tem de estar de costas voltadas ao (relativo) sucesso comercial. Por outro lado, um filme não precisa de ser um blockbuster para ser um sucesso comercial. O cinema independente e de autor americano é um bom exemplo.
o cinema portugues não é custeado com o donheiro dos contribuintes, mas sim com o proveniente da taxa de publicidade que o ICAM cobra às televisões.
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