«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, julho 28, 2008

Liberdade de expressão, o tanas

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No outro dia, conversava com um amigo estrangeiro, a trabalhar na Madeira. Disse-me que, no seu país, quando se fazem reuniões numa organização ou instituição, têm de ter rentabilidade.

Isto é, o tempo e os recursos humanos que são dispendidos numa reunião têm de ter algum resultado palpável. Caso contrário, a reunião não se faz. Para quê reunir pessoas, muitas vezes fora de horas, para não decidir, para não progredir, para não avançar?

Ora, o meu amigo, com a sua inteligência pragmática, nota que aqui na Madeira se fazem reuniões para não mudar nada. É uma espécie de aparência democrática, porque quem manda não espera dos outros mais do que o silêncio legitimador do caminho já traçado previamente.

Por isso, diz que não há liberdade de expressão. Que será uma herança da ditadura, que permanece. Depressa aprendeu que não se esperam contributos e novas ideias das pessoas. Depressa aprendeu que o silêncio dos reunidos é a estratégia que serve a quem manda e a quem é mandado.

O espírito livre que teime em participar, em ter ideias melhores, em apontar caminhos alternativos mete-se em sarilhos sérios. É encarado como ameaça e quem manda faz tudo para isolar, anular ou descartar.

Tal cultura não conduz ao progresso. Serve para manter o atraso, serve para não garantir que os melhores, a cada momento, liderem. Serve para impedir a renovação e os melhores projectos. É um colete de forças.

O país em que vivemos sofre com a cultura do bloqueio e do pequeno interesse pessoal, que conduzem ao nivelamento por baixo.

Num país corrupto, a ascensão profissional e social resulta não da competência mas de outros factores: de tráfico de influências, de caciquismos, das capacidades de manipular, violentar, oprimir e corromper.

Não há estímulos para quem se empenha e é capaz de fazer melhor. Pelo contrário, empenho e a competência são encarados como ameaça porque, geralmente, os piores ascendem, mandam e passam a vida a olhar para o lado, a ver quem passa à frente.

Não se quer que os serviços e as instituições funcionem melhor. Tudo se submete à gestão de poderes, cargos, carreirismo, mordomias, influências. Numa palavra, o interesse pessoal.

Aqui se abre uma caixa de pandora e mostram-se os elementos mais rasteiros da natureza humana: a intriga, a inveja, os jogos de cintura, o calculismo, as jogatanas, as manobras de bastidores, a maldicência, a coacção moral, a valorização do comezinho e do acessório, o culto da aparência.

Por isso, são amados (e estimulados) os funcionários acríticos, submissos voluntários, que sabem qual é o seu lugar, que ocultam a sua consciência, que se vendem por muito pouco.

Disse Manoel de Oliveira (Visão, 14.11.2002), sobre os portugueses: «Eles não querem ser melhores do que tu, o que não querem é que tu sejas melhor do que eles».

Tudo isto contradiz os discursos e a dita cultura do mérito, que inclusive se quer ensinado nas escolas. É a negação das ditas oportunidades para os mais capazes.

Esta cultura dos piores, do nivelamento por baixo, das forças de bloqueio deve preocupar-nos ou fazer-nos deter? Claro que não. O segredo é só um: prosseguir o caminho ignorando todos esses aspectos mesquinhos e marginais.

Recorde-se:
A lição de Monteiro Diniz

1 comentário:

  1. Caro Nélio,
    Bom post! Recentemente foi publicado um volume de ensaios de George Orwell pela Antígona. Num deles, Orwell explica muito claramente as relações existentes entre linguagem e poder. Claro que na nossa sociedade estas implicações são mais patuscas, ao modo mais miudinho, sem grandes psicofodas subtis, mas à directa... O poder exerce-se de forma directa e autoritária com obediência cega e as pessoas não estão habituadas à ragumentação racional. Basta discordar de alguém para se ganhar um inimigo. E esta porcaria começa nas universidades, lugares nos quais a argumentação racional deveria ser a regra. Basicamente somos umas bestas que não conhecemos as regras minímas da lógica que nos possibilita discutir racionalmente um problema. O mais estranho é que tenho formação em filosofia e a coisa não melhora muito e é triste quando vejo os bons exemplos em outras culturas que nós por cá tanto desprezamos.Na Madeira é pouco melhor que no resto do país, embora aqui com traços muito populares, com política à saída da missa e festas populares no chão da Lagoa e, pior que tudo, com políticos muito mal educados.
    abraço

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