Com tanta pedra saliente na calçada, neste momento, é difícil não baixar a cabeça e colocar os olhos no chão
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Várias advertências têm dido emitidas desde sábado passado, de modo a que aqueles que tentem atribuir responsabilidades que não sejam exclusivamente imputáveis à natureza, tenham tento na língua. É a parte política da catástrofe.
«Eu dei instruções a toda a gente que trabalha comigo que tudo o que seja calúnia, tudo o que seja acusação não fundamentada mandem levantar processos», disse o presidente do Governo Regional, na Grande Entrevista (RTP1, 25.2.2010), para condicionar a acção dos «abutres», que venham criticar as opções do Executivo Regional, em termos de ordenamento do território, que se relacionem com as consequências da catástrofe. Já no próprio dia 20 se alertara os «miseráveis».
Ontem o Diário publicou uma opinião de Pedro França Ferreira com mais avisos à navegação: «Nestes temporais apareceram poucos Especialistas e muitos Zandingas. Os primeiros, conhecedores e úteis, que utilizam as suas advertências com objectivos didácticos, tiveram a grandeza de serem muito comedidos no "eu bem disse" e de reconhecerem a excepcionalidade da situação. A esses pedimos: Continuem a agitar as nossas consciências.»
Quanto aos «outros, os ignorantes e pequenos, que quase pareciam contentes por poderem dizer "eu bem disse", esquecendo-se que, com tanta profecia da desgraça que fizeram e que falharam, alguma vez o acaso lhes iria dar razão. Desses não precisamos. Podem fazer como o Emanuel Gimes, e tornar-se Zandingas noutras terras.»
Aí está, é preciso muito talento e cuidadinho (maleabilidade) para andar no fio da navalha com o devido equilíbrio (didactismo).
Mas, e se o especialista comedido, com fins didácticos, que reconhece a excepcionalidade da situação, sem nunca proferir o fatídico "eu bem disse", afirmar que as consequências materiais e pessoais da catástrofe não terão sido a 100% imputáveis à situação natural excepcional?
É nestas horas que me lembro das palavras de um ilustre calhetense, o juíz Ferreira Neto, que escreveu no Tibuna da Madeira (10.03.2006) o seguinte: «para sobreviver numa ilha, além do mais bem pequena, é preciso dar muita volta à imaginação, ter alguns cuidados como regra e evitar as pedras da calçada que estão mais salientes. Talvez seja por isso que muitos andam tristes e cautelosos a olhar para o chão como nas procissões.»
Há gente a falar com muito cuidadinho e muitos outros que nem se atrevem a fazê-lo. Hélder Spínola da Quercus pediu para a sociedade civil chegar-se à frente e falar do que viu no dia da catástrofe e retirar as suas ilações. É claro que ninguém acredita de isso vá acontecer na praça pública depois de tanta advertência e tantas predras salientadas na calçada...
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