«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, junho 19, 2010

Saramago

O adeus a um grande vulto da cultura portuguesa
fotogaleria Público

«Escrevemos porque não queremos morrer», disse Saramago a uma entrevista do Diário, em 1994.

A luta contra a morte e pela permanência é o que norteia, de forma explícita ou implícita, as acções do ser humano.

O resto é a luta pela felicidade e bem-estar diários, em busca de estonteamentos ou escapes que nos façam suportar melhor uma realidade contígua à morte: a fragilidade ou precariedade da própria vida.

Uns rezam, outros bebem, outros escrevem, outros vêem futebol, outros ouvem música, outros lutam por causas, outros lutam por poder, outros amealham dinheiro, outros têm filhos, outros fazem sexo como se a vida fosse acabar amanhã, entre outros estonteamentos. Alguns, mais emocionais ou sensíveis ou conscientes, precisam de vários estonteamentos...

Disse então Saramago, ao jornal já citado: «Creio que a grande questão humana é, de facto, a morte. O que está antes disso pode ser vivido de uma maneira a que chamamos feliz ou infeliz. Nós enchemos a vida (embora nem sempre) com sentimentos, situações, emoções, paixões, ódios... tudo isso com que se faz a matéria romanesca. No fundo, as situações de ficção não são muitas (...) Mas a vida, que não sabemos exactamente o que seja, é a grande questão. E passa-se num planeta que não sabemos para que serve, e que está num sítio qualquer do espaço, num universo com uma dimensão que não podemos sequer imaginar. É esta insignificância que somos, porque de facto é isso que somos, seres insignificantes, seres de vida curta, durante a qual, se procura, se se é escritor, colocar a si próprio e ao leitor todas as questões que resultam de sermos precários e termos consciência disso. No fundo, o que é escrever? (...) Eu disse um dia, e durante algum tempo repeti (...): 'Nós escrevemos porque não queremos morrer. É o desejo de que aquilo que se faz dure mais do que nós próprios. (...) até os simples pais e mães de família, que deixam filhos, exprimem esse desejo de permanecer».

No Diário pode ler-se ainda: Saramago admitia então existir «muito de existencialismo no meu trabalho. Não como filosofia, mas como atitude de vida». O que o interessava, acima de tudo, era «a pessoa (...) como parte de uma sociedade». Tal como admitia uma certa religiosidade, apesar da forma iconoclasta como reagia às religiões organizadas. Isto, «no sentido etimológico da palavra, no sentido original (...), da ligação ao Cosmos, embora eu não goste de grandes palavras, desse tipo de retórica». Estava muito consciente da relatividade dos conceitos do Bem e do Mal , e do modo como a vida das pessoas é feita «de fraquezas e debilidades». Mas mantinha um sentido moral que o guiava rumo à relação humana.

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