«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE
domingo, outubro 03, 2010
Sociedade portuguesa é uma sociedade montada na fachada
«O facilitismo começa desde o jardim de infância. Nós estamos a assistir à construção de uma debacle nacional. Estamos a mentir às pessoas»
Discursos dessassombrados como o recente discurso do Frei Fernando Ventura (aqui deixamos uma síntese da recente entrevista na SIC Notícias) são importantes pelo realismo que encerra, mas como são dolorosos para as consciências (a injecção de realidade é bem dura) tendem a ser vistos como algo próximo do demencial... E as pessoas desligam. Porque não interessa a realidade. É mais fácil continuar a acreditar na ilusão.
Um sociedade montada no faz de conta é uma mentira e nada se pode construir sem alicerces sólidos. A escola e a educação dos mais novos, das gerações futuras, assenta também sobre uma mentira. E criamos analfabetos, gente que não pensa, gente sem referências e valores, sem memória colectiva, sem capacidade de assumir as suas responsabilidades e de comandar o seu destino.
Temos demasiados denunciadores e não temos anunciadores
«Em nome da defesa do povo, em nome da defesa dos direitos dos trabalhadores vamos ouvindo grandes discursos inflamados, mas estamos a assistir simplesmente a jogos de poder que não vão resolver a vida dos pobres. Que não vão criar, sobretudo, aquilo que é urgente criar no sentido de solidariedade e coesão nacional. O que se apela é sempre à fractura, é sempre e só à explosão social.»
«A greve geral [já anunciada para 24 de Novembro] é uma catarse colectiva mas não vai mudar nada porque não há volta a dar. O caminho é só para a frente. E para a frente sempre a subir. Temos demasiados denunciadores e não temos anunciadores. Os que temos mentem. O caminho tem de ser a o da construção de uma consciência social e de uma consciência colectiva de co-responsabilidade social. […] Este é o momento, não da aparição de nenhum messias, mas da aparição de gente capaz de formar opinião, gente capaz de formar consciência, gente capaz de gritar que o rei vau nu por muito engravatado que esteja. Que a altura é de mudar e de mudar as estruturas podres que nos conduziram até aqui.» Para mudarmos de modelo as pessoas terão de fazer a discussão das garantias do Estado que nos trouxeram até aqui. Mas assustam-se e temem as alternativas.
Sonhar espaços novos
«Crise é momento de começar a sonhar espaços novos. Estamos a enfrentar desafios novos com soluções velhas. Estamos a enfrentar situações terrivelmente complicadas para tantíssima gente com os mesmo profissionais da política, que nos trouxeram até aqui. Seria este o tempo de despedirmos os políticos profissionais para colocarmos profissionais na política. […] Não temos líderes em Portugal. Não temos gente para galvanizar para um projecto de construção social e para um projecto de consciência comunitária da vida.»
Escola: cultura de fachada e excesso de facilitismo
«Houve excesso de garantismo e facilitismo. E o facilitismo começa desde o jardim de infância. Nós estamos a assistir às construção de uma debacle nacional. Nós estamos a montar uma escola que, teoricamente e por ironia da estupidez, é possível chegar à universidade sem quase saber escrever. Estamos a mentir às pessoas, não estamos a dar um futuro aos nossos jovens. Pior do que isso, estamos a construir uma sociedade montada na fachada. Vivemos para o penacho, vivemos para o exterior. Estamos a formar ou a deformar gerações que vão ser o futuro. Desta nossa terra. Estão a crescer sem bases, sem valores. […] Estamos a criar gerações de monstros. Gerações de gente sem memória e sem história. Quando a memória e a história não se encontram temos os cataclismos sociais. É a partir da educação que esta estrutura tem de mudar por dentro.»
«Temos esta cultura que alguém há-de resolver. É este fatalismo nosso, tinha que ser assim. Não posso fazer nada para mudar o meu destino. E isto metido numa situação de um país de um nível cultural baixíssimo… Estamos outra vez nesta espécie de mentira colectiva das Novas Oportunidades. Novas Oportunidades de quê? De coisa nenhuma. Vamos dar um canudo às pessoas mas não vamos construir uma consciência social. Esta é outra das desgraças nacionais. Vivemos para a fachada.»
Duas notas pessoais:
1. Frei Fernando Ventura diz que nos falta líder. Todavia, é preciso ter cuidado para não cair no sebastianismo que o próprio critica. Não podemos ficar à espera de um messias, de um líder que nos resgaste da crise e nos salve. Temos de fazer, ca um de nós, o que nos cabe e não responsabilizar apenas os líderes por tudo.
2. Sobre a incapacidade de reacção é bom fazer notar que a capacidade de aceitação é importante para lidarmos com as dificuldades que não controlamos, mas o problema é abdicarmos de assumirmos a nossa quota parte de responsabilidade na construção do País. Deixamo-nos governar mal.
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Há muito que cá não vinha.
ResponderEliminarApreciei as considerações do Frei.
Não desprezei as suas.
Saudações.
Vico d´Aubignac