«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, janeiro 16, 2011

Diz-me o que lês e dir-te-ei quem és


Sou dos que pensam que as maiorias, muitas das vezes, não têm razão e avanço com cautela para um livro, um disco ou um filme que mereça, em cima do momento da publicação, uma adesão generalizada do grande público. Investigo antes de consumir.

Decorre, além de uma atitude de rebeldia, do critério e gosto pessoais. Procuro e gosto de consumir manifestações e produtos artísticos mais alternativos, independentes, desafiantes e exigentes, que não se fiquem apenas pelo entretenimento, implicando um maior esforço na adesão (muitas vezes implica estranhar antes de entranhar). Tem de me surpreender e desafiar. Em detrimento do gosto massificado e produtos mais imediatos, difundidos e comuns, para basicamente passar o tempo e distrair.

Isto não significa que não goste de algumas manifestações artísticas que têm a adesão do grande público. Encontro exemplos na literatura, na música ou no cinema de que gosto. Há manifestações popularizadas que têm enorme qualidade e são obras-primas. E sabe bem, por vezes, ler, ouvir e ver algo mais imediato, mais leve, menos profundo e menos intelectualizado, de fácil adesão e consumo, embora tenda a perdurar menos tempo na nossa mente, no nosso coração e no tempo.

Para mim arte é vida. A arte tem de acrescentar algo de novo à minha existência e me oferecer novas sensações e abrir novas janelas sobre a forma como vejo o mundo e a vida. Tem de ser pertinente e ter um potencial transformador, para além da experiência estética e de Belo que nos provoca. Tem de marcar a diferença face à maioria dos livros, dos discos e dos filmes.

No que toca aos livros, li por exemplo The Da Vinci Code e estou a ler Eat Prey Love, muito populares ao ponto de serem adaptados ao cinema e destinados ao grande público. Estão muito bem escritos, bem engendrados, mas não é literatura de topo.
Aqueles livros citados são criativos, interessantes e proporcionam uma leitura escorreita e uma adesão imediata. Mas falta-lhes a densidade literária dos escritores de maior relevo e das melhores obras, aquelas que perduram no tempo (intemporalidade), que inovam, que utilizam recursos estilísticos e literários que tornam único o modo de contar uma história (a tal experiência do Belo), que são universais, que têm densidade de conteúdo ao ponto de acrescentar algo sobre a Vida, o Homem, a Existência Humana.

Depois de ler The Da Vinci Code não tive interesse em ver o filme. Popularizou-se o filme Eat Pray Love mas bastou ver o trailer para perceber que estava muito longe de ser a minha cena. Mais pela abordagem, pela forma como estava contada a história. Percebe-se logo quando se trata de uma abordagem mais leve para ir ao encontro do gosto do grande público. Mais para entreter do que para fazer pensar e marcar a existência.

Não fui ver o filme e pensei antes em rever Sideways, que poderia ter-se intitulado algo como Drink Write Love... Lembrei-me deste filme por analogia. Não há lugar a piadas ou romantismos fáceis e, em lugar do domínio do enredo, há a densidade das personagens, dos seus dilemas existenciais e o modo especial como tudo é contado.

Eat Prey Love é um livro de viagens, autobiográfico, de leitura fácil e agradável, que é enriquecido e ganha alguma densidade pelo facto de dar conta de uma caminhada interior e de vida, a da própria autora. Muitos dos seus problemas e dilemas são comuns a muitos de nós mortais. Mas é basicamente descritivo de uma experiência e percurso pessoais. Não tem a tal densidade literária na forma como são narrados os acontecimentos. Há ainda o aspecto informativo, sobre os locais, a cultura e as pessoas dos países por onde vai passando, que é relevante.

E tem o seu lugar. E estou a ler com interesse, embora não me provoque o êxtase de certas obras literárias de referência, porque neste momento da vida apetece-me literatura menos densa e há aspectos do percurso existencial da protagonista com os quais me identifico (nem que fosse por ter passado por intensas experiências, em 2010, na Índia, um dos três países por que passou Elizabeth Gilbert) e provoca alguma reflexão pessoal. Ainda estou a ler o livro. Irei dando notícias.

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