«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, agosto 02, 2013

Credibilidade e ética: o que não se assume não se escreve


Na inauguração do Museu da Imprensa da Madeira, em 1 de agosto de 2013, o presidente do Governo Regional mostrou-se favorável à continuação da imprensa escrita na RAM (não abordo aqui polémica sobre Jornal da Madeira), por uma questão de credibilidade e defesa de valores:

«Os senhores sabem que há muitos “bloggers” hoje em dia na Internet, mas quem escreve na imprensa escrita assume a responsabilidade daquilo que diz ou, quando não assina, há sempre alguém que, por lei, é responsável», enquanto que nos blogues «há muito covarde que não tem a coragem de assinar aquilo que diz, nem de assumir aquilo que diz, e esconde-se por detrás do anonimato que a informática permite». Ora, «se a informática permite o anonimato, nunca atingirá o ponto de credibilidade que a imprensa escrita felizmente ainda atinge».
Jornal da Madeira, 2 de agosto de 2013

Quem escreve nos jornais assume a responsabilidade daquilo que diz, e quando não assina, há sempre alguém que por lei é responsável, disse, o que não acontece nos blogues. “Nós estamos a ver que o uso da informática tem servi[do] para o exercício da covardia e não para uma difusão de valores”, criticou. “Há muito covarde que não tem a coragem de assinar aquilo que diz, nem de assumir aquilo que diz e esconde-se por detrás do anonimato que a informática permite. Ora, se a informática permite o anonimato, a informática nunca atingirá o ponto de credibilidade que a imprensa escrita, felizmente ainda atinge”.
Diário de Notícias da Madeira, 2 de agosto de 2013

Por princípio, o que não se assume publicamente não se escreve publicamente. Nos blogues ou noutro sítio. Seja por que razão for (medo ou outra).

Antes de mais, porque não vale a pena (maldade vale a pena?), por uma questão de credibilidade (anonimato é sinónimo de artificialismo e dissimulação). Isto além da questão ética e de honestidade. Por isso, concordo com esta crítica aos bloggers anónimos e o elogio da imprensa escrita, que assume a responsabilidade pelo que publica.

A regra de bom senso (e segurança) é expressar aquilo que dita a consciência, com honestidade intelectual e que pode ser assumido publicamente, isto é, que não ofende ou difama. Seja na blogoesfera ou noutro contexto. É uma atitude de contenção, elevação e de respeito pelo outro que não põe em causa a liberdade de expressão. Odiar e agredir por discordar do outro não leva a nada. Consome a paz interior do próprio.

Este blogue tem uma assinatura e uma cara, o que significa que posso ser responsabilizado se difamar ou atacar pessoalmente alguém. O debate plural de ideias, com frontalidade e até paixão (polémica), não pode ser confundido com agressão e ataque pessoal (fulanização), difamação ou devassa da vida privada (desrespeito, injúria), promovendo o lodo e o pântano, muito menos sob o anonimato.

A crítica (com ou sem razão, com mais ou menos razão) não tem de ser maledicência, associada à inveja e à intriga, uma forma de fugir do essencial e concentrar-se no acessório. Quem não quer assumir o (efeito do) que diz deve limitar-se a vociferar ou a "mandar vir" nos cafés, uma forma de expurgar (ou alimentar) o azedume, o ódio e o ressentimento.

Podemos destruir um edifício para construir um melhor, mas não se percebe certas vezes o que se quer construir, dando essa impressão da destruição pela destruição, do bota-abaixo. Pelo simples prazer de destruir. Para amesquinhar. Para enervar e angustiar o outro.

Nota 1:
As declarações do presidente do Governo Regional podem deixar, porém, a ideia que o anonimato nos meios informáticos é sinónimo de impunidade, mas não é assim. Como escreveu Vital Moreira, no Causa Nossa, «há quem esqueça... que a blogoesfera não está fora do alcance do Código Penal. Os crimes de injúria, difamação, calúnia, devassa da vida privada, etc., não são menos puníveis quando praticados em blogues do que praticados por qualquer outro meio. A liberdade de expressão e de opinião não cobre a ofensa do direito à honra e à integridade moral das pessoas.» E a atividade informática deixa rasto em todo o lado. O anonimato não é inquebrável: é tecnicamente possível identificar a fonte e investigar e agir judicialmente quando se justifica.

Nota 2: (19h00)
No campo judicial, a PGR, por exemplo, tem um canal para denúncia de actos de corrupção e fraudes por parte dos cidadãos. Depois de dizer que o "autor da comunicação pode manter o anonimato", refere aquela instituição de forma clara: "no entanto privilegia-se que se identifique, sendo nossa preocupação que não venha a ser desnecessariamente exposto publicamente durante a investigação." E logo a seguir reitera: "É importante que o autor da comunicação se identifique". No campo do jornalismo, outro exemplo, a proteção da fonte em certas matérias está devidamente enquadrada (se puser em causa a segurança nacional ou isso, o jornalista tem de revelar a fonte...), mas a regra é que seja identificada a fonte, até porque a notícia ganha sempre mais robustez e credibilidade. No campo da comunicação e expressão direta dos cidadãos por meios públicos, impressos ou online, penso que então o anonimato não é desejável nem defensável. Por mais que o anonimato seja visto como uma "facilidade" no imediato.

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