«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, outubro 12, 2014

Amália por Júlio Resende no Centro das Artes, na Calheta

Aqui tocou Júlio Resende em 3 de Outubro de 2014, no Centro das Artes, na Calheta

Músico com formação clássica e com experiência na área do jazz e da música improvisada, Júlio Resende confere um novo olhar aos fados da Amália interpretados no álbum Amália por Júlio Resende, editado no final de 2013. Com subtileza, intensidade e emoção, nunca cedendo ao linear, ao óbvio ao fácil ou ao acessório.

Os temas são muito seus no sentido de que não há nenhuma nota escrita, como salientou ao Diário: «O facto de as notas serem improvisadas, pertencem-me, elas vêm de mim. Eu tenho uma base mais ou menos de memória para cada tema, assim como um cantor canta as canções de memória. Tudo o que pode acontecer, o modo como vou contar a história, a viagem depois da canção, é completamente improvisada. E mesmo o arranjo pode ser bastante destruído ou refeito».

Pareceu-me identificar os temas Vou dar de beber à dor, A casa da Mariquinhas e Uma casa portuguesa, logo a abrir. Depois desse tema incontornável intitulado Gaivota foi a vez de uma surpresa, o Bailinho da Madeira, que o público identifica apenas no final quando surgiram notas mais decalcadas do original. Contou que, já no Centro das Artes, lembrou-se que este tinha sido o primeiro tema que o seu pai lhe ensinara.

Seguiram-se Tudo isto é fado, Da Alma, tema do seu primeiro disco com o mesmo nome, que «tem algo a ver com fado», disse, Barco Negro e, a fechar, o magistral e brutal Medo, utilizando a voz da Amália gravada. Achei que o som das colunas não estavam ao nível da reprodução da voz da Diva. Parecia estar "encaixotada"... Um detalhe que, no entanto, não beliscou a intensidade do tema.

O músico foi então muito aplaudido pela sala cheia, de pé, e voltou para um encore, através do tema Foi Deus.

Conhecendo apenas o tema Medo, que me arrebatou de imediato, se tinha dúvidas se o fado só ao piano funcionaria, o concerto dissipou-as. Pela interpretação do músico. O fado depende muito da interpretação, da intensidade, profundidade e emoção conferidas pelo intérprete.

Como afirmou Júlio Resende, nas já referidas declarações ao Diário, o «fado tem essa relação muito próxima com o coração, com a emoção, com aquilo que nos diz muito respeito.» Mais disse que as pessoas sentem as canções, sentem o silêncio, sentem a chama e a melancolia dos temas que vêm do fado e que são fado.

Durante o concerto, referiu-se a «coisas mais intensas e viscerais» e que era «bom saber que a ilha não se deixa isolar», ao ter eventos culturais com músicos do país e estrangeiro.

(Um concerto que vale bem mais do que os quinze euros pagos pelo bilhete. No final, no foyer, havia o disco à venda, ao preço do bilhete, com a possibilidade de ser autografado logo ali pelo músico.)

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O escritor Gonçalo M. Tavares escreveu: «Há um sítio onde dói e é daí que se começa. O importante é isto: Júlio Resende parte do essencial do fado. Amália, de qualquer modo, está sempre no centro. E é daí que canta. Neste concerto, sem voz, nesse lugar do meio, no centro, a levantar-se a partir do essencial, está o piano e, como existe caminho, avança-se. O importante em Júlio Resende e no seu piano: partindo do essencial, nunca se sai de lá. E isso é raro. Avançar, e muito, sem levantar os pés do importante.»

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