Os portugueses ficam entregues a si próprios, enquanto as elites tratam de servir-se, a si e aos seus amigos (foto: Maria João Gala/Global Imagens) |
O artigo Lições de Pedrógão do economista Daniel Bessa (Expresso 2392, caderno de Economia, 1.9.2018), é de uma lucidez cristalina sobre a inépcia das elites em Portugal, que trabalham para que «tudo fique na mesma, sem correção», mantendo o país atrasado e uma sociedade bloqueada, corrupta e ineficaz, com um fosso acentuado entre ricos e pobres. Seja elite de direita, centro ou esquerda, é indiferente. Pena que a generalidade do povo português tolere este estado de coisas e essa corja. Como o texto fala por si, ilustrativo da realidade, aqui o replicamos:
«Dirigi, em tempos uma escola de negócios. Alunos adultos, pagando a sua formação. Uma experiência de que me orgulhava e orgulho. Em determinado dia, um professor vindo dos Estados Unidos iniciava a sua lecionação anual. Impossibilitado de estar presente, telefonei-lhe no final da aula: "Então, professor, correu bem, a aula?"; "Correu, correu bem; o que correu menos bem é que você disse-me que os alunos eram vinte mas nunca tive na sala mais de dez; e os que estavam no início não eram os que estavam no fim."
Uma humilhação. Julgava dirigir uma escola; dirigia uma choldra. Pretextei com "a cultura". "Não me fale em cultura*. Nos Estados Unidos seria igual. Só não é igual porque eu entro na sala e fecho a porta, só voltando a abri-la no final da aula." Uma lição que me ficou para sempre. Passámos a proceder desse modo, e a escola tornou-se exemplar, desse ponto de vista.
O que viemos a saber sobre o que se passou em Pedrógão fez-me recordar esta lição. A tragédia convocou a generosidade de milhares de portugueses, pessoas e empresas, que se empenharam em doar a soma necessária à reconstrução das habitações destruídas. Dois trabalhos jornalísticos recentes acabam de revelar que, sob alegada orientação do poder político local, muito do dinheiro foi mal gasto. Motivo de indignação, uma vez mais, ainda que sem surpresa. É "a cultura"; "somos assim."
Dói, isso dói, que, ao mais alto nível político, leis e sistema de justiça sejam desenhados para que tudo continue na mesma, sem correção.»
* não é a cultura, é a natureza humana
(Esta nota e o negrito de «choldra» são sublinhados nossos)
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