A Revolta da Madeira de 4 de Abril de 1931 foi precedida pela Revolta da Farinha em dois meses. O decretado monopólio sobre as farinhas e o agravamento do preço do pão conduzira ao primeiro protesto e este preparou o segundo.
A conjuntura internacional de crise abatera-se sobre a Madeira, gerando desemprego e fome. Daí o decreto do monopólio da importação da farinha tenha gerado o "obrigado" as pessoas à insurreição entre 4 e 6 de Fevereiro. Este levantamento popular parece ter sido uma oportunidade potenciada (aproveitada) por militares (continentais e alguns tenentes madeirenses), por um lado, e por deportados do continente na ilha, por outro lado, para construir a Revolta de 4 de Abril. Deportados devido a sucessivas revoltas engendradas no continente - não será aqui, neste material humano vindo do exterior, que reside determinado espírito revolucionário, isto é, a força motriz e a cabeça da Revolta da Madeira?
Na Revolta da Farinha a população é incitada pelos industriais de moagem. Até que ponto foi espontânea esta insurreição popular? Sabemos que, há 75 anos, mais do que não haver medo havia fome, capaz de gerar muito descontentamento e luta pela sobrevivência. Terá sido o estômago vazio (ausência de pão) o factor que gerou a Revolta da Farinha? Esta história dos madeirenses insurrectos, inconformados e sem medo causa-me uma certa surpresa, devo confessar. E depois vem a Revolta da Madeira, passados dois meses. É muita iniciativa revoltosa, em pouco tempo, para um povo resignado, habituado à canga. Como me dizia alguém, encarando a realidade, se hoje não há massa crítica na Madeira, então em 1931...
A Revolta de Abril terá sido espontaneamente popular, uma primeira afirmação do espírito autonómico, ou um grupo de militares e de deportados aproveita bem a onda de reacção popular, devido ao decreto da farinha, para ter base de apoio nas ruas e dar abrangência social e política à sublevação militar? Recorde-se que a Guarnição Militar esteve, estrategicamente (?), ao lado do povo na Revolta da Farinha, para frustração do Governador.
Houve mentores (cabecilhas) deste movimento insurrecional contra a Ditadura Militar. Que o conceberam política e ideologicamente. Parece que eles foram exteriores, nos papeís principais. Não é por acaso que o regime manda prender os chefes revolucionários e não descarrega os canhões sobre o povo, a não ser uns tiros para susto. Não é por acaso que a Revolta da Madeira é definida como sublevação militar e não como sublevação popular, apesar da população ter tido a coragem e o mérito de viabilizar a revolta indo para as ruas em seu apoio - pelo menos até à chegada do potente contingente militar de Lisboa -, embalados (obrigados), sobretudo, pelo descontentamento resultante da crise ecónomica e da fome. Não foi por acaso que os chefes revoltosos foram desterrados para Cabo Verde.
A alegada falta de medo, o espírito crítico e revolucionário de luta pela liberdade e pela democracia dos madeirenses, a ser efectivo, deveria ter gerado mais episódios de revolta na Madeira, durante a Ditadura - nos longos 43 anos até que chegasse o 25 de Abril de 1974 -, desde que os chefes revoltosos de 1931 foram desterrados para Cabo Verde. Nem digo acções espectaculares e grandiosas, mas uma resistência mais activa e incómoda para o regime de Salazar. Algo que se visse. Como me lembrava alguém, a FLAMA só aparece após o 25 de Abril para conter uma deriva comunista. Recorde-se que é muito madeirense o posicionamento de estar a bem com deus e com o diabo, a divinização da autoridade e a posição expectante perante os acontecimentos até ver no que dá.
A minha ignorância sobre o tema motiva dúvidas. Tenho curiosidade em saber o papel mais em concreto dos tenentes madeirenses, no grupo dos militares e deportados revoltosos, na concepção e concretização da Revolta da Madeira. Se foram ideólogos e autores ou se tiveram apenas um papel secundário. Saber ainda se a adesão da população se deve a uma generalizada e genuína consciência política e espírito de luta pela democracia e liberdade, em oposição à Ditadura, nos primeiros adventos da autonomia, ou se fica a dever-se, sobretudo, à fome gerada pela crise económica e social conjuntural.
Será que os madeirenses têm uma veia revolucionária (não conformista, não submissa, não situacionista, não politicamente correcta) que se perdeu na História? Pode ser que os factos históricos esclareçam estes aspectos menos visíveis e até existenciais. Não que precise de actos heróicos para sentir orgulho em ser madeirense, mas gostava de conhecer melhor a alma deste povo do ponto de vista da sua participação e pensamento políticos, nomeadamente na Revolta de Abril de 1931. Sem romantismos nem miserabilismos. Apenas com realismo.
[fotografia mostra embarque de tropas fiéis à Ditadura, em 26 de Abril de 1931, em Lisboa, para suprimir a revolta da Madeira]
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