«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, abril 21, 2006

78. Não há contradição: sempre fomos pelo silêncio e pela acomodação

O artigo de opinião Outros madeirenses, no Tribuna da Madeira de hoje, está construído na base de uma contradição que a realidade histórica parece provar não existir: os madeirenses já não são os revolucionários que, alegadamente, terão sido em 1931. E a inexistência dessa contradição ajuda a compreender a realidade actual, denunciada na análise de António Jorge Pinto:

«A actual casta de madeirenses é de uma cepa muito mais acomodada. Sem objectivos. Sem opinião de nada e sobre nada. Gente que não se inquieta com o seu próprio quotidiano, o seu destino. As suas vidas. As vidas dos seus filhos. Gente dormente.»

«O problema está na ideia que é oficialmente vendida, e que a maioria das pessoas a toma como verdadeira, de que aqui está tudo feito, e muito bem feito. Que não há terra melhor do que esta. Mas muitos dos que vendem esta ideia, são os primeiros a ir tratar da saúde lá fora, a fazer compras lá fora e adoram fazer férias lá fora.»


Ora, a Revolta da Madeira de Abril de 1931 terá contornos que é preciso desromantizar (vide post 58 ). A fome levou os populares à rua na Revolta da Farinha, em Fevereiro de 1931, espicaçados ainda pelos industriais com interesse no sector.
A Revolta da Madeira, em Abril, foi outra história, embora maximizasse o descontentamento popular devido à crise do pão, porque foram militares e deportados de Portugal continental quem planeou a revolta e a colocou em marcha. Providenciando a necessária moldura humana, é claro - as revoluções não são feitas pelo povo mas não têm sucesso sem a adesão do povo.
Agora, não se esqueça que o episódio da Madeira vem na sequência de várias tentativas no país para derrubar a ditadura, não é um acto isolado, o que ajuda a deitar por terra qualquer pretensa autoria madeirense.
Ora, a Revolta da Madeira de Abril de 1931 nem foi bem sucedida porque foi esmagada. Será que o povo continuou nas ruas depois de ver os navios de guerra ao largo? Continuou a lutar contra a ditadura depois dessa data, na clandestinidade, enquanto não chegava o 25 de Abril de 1974?

Por acaso sabe-se de que lado estiveram a igreja e os ingleses na Revolta da Madeira? Que interesses defendiam e defenderam?

Quem se habituou às cangas chamadas senhorios coloniais, igreja, industriais ingleses, ditadura, novos "ingleses" do pós-25 de Abril e por aí adiante assume o comodismo ou a resignação como um estado de alma, uma forma de estar e ser.

O comodismo é um atavismo regional. Só há reacção quando está em causa a sobrevivência, isto é, a barriga. Há até um dizer local, que condensa tudo o que disse: «barriguinha cheia, coração contente.» Já os romanos sabiam tirar partido disto.

O que aconteceu na Revolta da Farinha foi «barriguinha vazia, coração descontente.» Daí a reacção cívico-estomacal. Mais estomacal do que cívico. Essa coisa chamada liberdade é secundária... demasiado esotérica e transcendental... não enche barriga.

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