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Raquel Gonçalves: «Numa primeira fase, até a população do Jardim do Mar comprou esta versão, mas agora já se queixa de que com o fim das ondas e do "surf" a freguesia ficou a perder.»
«O fim das ondas no Jardim do Mar continua a dar que falar. Não é que depois das manifestações, pró e contra, os turistas de "pata-rapada" ou os drogados como chegaram a ser simpaticamente chamados, em mais uma demonstração de que a boa educação e a fineza de trato é a imagem de marca cá do burgo, resolveram fazer um filme.
Na versão oficial, a produção não passa de um devaneio de meia dúzia de "patas-rapadas", feita sob o efeito nefasto de uma qualquer droga, para prejudicar o tão aclamado progresso.
Numa primeira fase, até a população do Jardim do Mar comprou esta versão, mas agora já se queixa de que com o fim das ondas e do "surf" a freguesia ficou a perder. Antes conhecida como um dos melhores paraísos do "surf" ao nível europeu, agora continua a ser notícia, mas não propriamente pelas melhores razões. Ninguém questiona que alguma coisa deveria ser feita para travar a erosão do mar, mas se calhar eram possíveis outras opções, que garantissem que o dinheiro continuaria a entrar nos cofres de quem tem negócios no local.
A visão simplista de que em causa estava um bando de malfeitores, só porque andavam de calções e de pé descalço, afinal revelou-se errada. O hábito não faz o monge, diz a sabedoria popular. Mas isso é só verdade se não vivermos na Madeira. Aqui andar de calções e descalço é quase tão grave como ir para a Assembleia de sapatilhas e calças de ganga.
Esta visão do mundo não só está desajustada da realidade, como demonstra uma tentativa de uniformizar estilos e vontades. Não só um jornalista de sapatilhas não é menos jornalista por isso, como um surfista descalço não tem de ser um pata-rapada. Até porque, na maior parte das vezes, é apenas um turista com dinheiro suficiente para deslocar-se à Madeira apenas para fazer surf.»
(Raquel Gonçalves, "Análise da Semana", Diário de Notícias da Madeira, 16.09.2006)
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