«Nos anos 90 recebi a visita de um amigo surfista (um daqueles "pés-rapados" que hoje em dia é economista e sócio-gerente de uma empresa de sucesso na área de venda de material desportivo). Para minha surpresa ele trouxe uma prancha de surf pois, de acordo com a sua versão, a Madeira era um dos melhores lugares do mundo para a prática daquele desporto. Na minha ignorância, fartei-me de gozar com ele pois achava aquilo um absurdo.
O meu amigo ignorou-me e pediu para levá-lo ao Jardim do Mar, vila onde eu já não ia desde a minha infância e em relação à qual tinha uma difusa memória. Quando lá cheguei fiquei maravilhado pela sua beleza, enquadramento paisagístico e, naturalmente, pelas incríveis ondas gigantes e perfeitas que rebentavam no calhau.
Apesar da minha total ignorância em relação ao surf, não pude deixar de me extasiar perante as imagens do meu amigo surfista e outros companheiros, a deslizar com perícia pelas vagas.A partir desse dia fiquei fã do Jardim do Mar e passei a deslocar-me aí com frequência. Aliás, quando era visitado por amigos forasteiros, era invariavelmente a primeira localidade que lhes mostrava e, com uma pontinha de orgulho regionalista, informava que aquele era um dos melhores lugares do mundo para o surf.
Quando soube dos planos para a construção de uma promenade que iria destruir aquela dádiva da natureza, fiquei revoltado. Mais horrorizado fiquei ainda quando algumas organizações regionais e estrangeiras tentaram promover uma sessão de esclarecimento à população do Jardim do Mar e estes, como verdadeiros protótipos do "povo superior", não só não os deixaram falar, como os insultaram e agrediram perante as câmaras de televisão. Nesse dia percebi que aquela batalha já estava perdida.
Hoje em dia sempre que encontro o tal amigo e outros surfistas, perguntam-me: "Mas como é que foi possível vocês madeirenses terem permitido semelhante crime?". Encolho os ombros e digo para mim próprio: "Como é possível que nós madeirenses tenhamos assistido a dezenas de crimes semelhantes, com total passividade?".
Em relação ao Jardim do Mar, voltei lá uma única vez para ver o que tinha sido feito. A dimensão da barbárie ali efectuada ultrapassou todas as minhas piores expectativas. O que era outrora a mais bela vila desta ilha não passa agora de um lugar horrendo e deprimente.»
Pedro Teixeira
(«Jardim do Mar»: Cartas do Leitor, Diário de Notícias da Madeira, 19.09.2006)
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