Ontem, na TV 2, no telejornal das 22:00, o secretário de estado adjunto da educação, Jorge Pedreira, proferiu várias barbaridades, como esta de a proposta do Ministério ser «razoável», sem ninguém presente para desmontar e contrapor. Só a jornalista serviu de contraponto face ao óbvio.
«É ilusão dizer que os professores se motivam pela progressão na carreira», disse às tantas aquele responsável. Perante tal insanidade e irrealismo, a jornalista não se conteve a reagir com incredulidade e referiu que a motivação era resultado de vários factores, incluindo a carreira, sem esquecer que a docência tem uma imagem social degradada. Esperemos que a carreira deste senhor no Ministério da Educação seja muito curta e sem direito a progressão, já que mérito tem pouco ou nenhum, como se percebe. Comece por dar um corte acentuado no seu salário e nas perspectivas de progressão a ver se fica mais motivado.
«A alteração do Estatuto da Carreira Docente é entendida como uma oportunidade fundamental para reforçar as estratégias de promoção do sucesso, de prevenção do abandono escolar precoce e de melhoria da qualidade das aprendizagens, procurando estimular o empenho dos docentes e orientar a sua actividade e a organização da escola para estes objectivos», pode-se ler na página do Ministério da Educação.
Se isto não fosse sério, daria vontade de rir. A «promoção do sucesso» educativo e a «prevenção do abandono escolar» são cortinas de fumo para tentar justificar o verdadeiro objectivo: cortar nos salários. Ao menos poderia haver a transparência e a frontalidade de dizer aos docentes que os cortes se deviam à situação financeira do país e não andar a disfarçar as medidas com argumentos cínicos de combate ao insucesso e abandono escolares. E de estímulo, pasme-se, ao empenho docente, como se este fosse resultado apenas de um factor ou acontecesse de forma milagrosa. Como se a motivação fosse resultado apenas do acto de ensinar (tantas vezes frustrante) e da satisfação profissional (esforço tantas vezes não reconhecido, sem retorno, criando dificuldades à realização do docente). O professor tem de ser uma espécie de sacerdote e missionário, cujas recompensas são transcendentais e de outro «mundo que há-de vir». Francamente. É um discurso salazarento.
Através das alterações propostas para o estatuto da carreira docente, o Ministério da Educação «pretende introduzir procedimentos que permitam avaliar o mérito e recompensar o esforço dos professores, contribuindo desse modo para fomentar o seu prestígio e a sua imagem social, bem como para qualificar e valorizar a profissão docente.»
Toda a gente concorda com o conceito da avaliação por mérito. Não concorda é com a sua utilização demagógica para justificar o inaceitável. Tem alguma coisa a ver com mérito ser penalizado na carreira devido a faltas justificadas em resultado de uma doença? Devido à maternidade? Devido a um acidente? Os professores são superhomens e supermulheres? Uma raça ariana geneticamente perfeita à prova das vicissitudes incontroláveis da vida? Só para os fundamentalistas do Ministério da Educação, como Jorge Pedreira, é que a proposta gravosa e a atitude presecutória face aos professores é «razoável». Nem o fundamentalista e ultra neoliberal George Bush se lembraria de muitas coisas que este Ministério da Educação, mais papista que o Papa, se está a lembrar.
Outra prova que o discurso do mérito é demagógico é o facto dos supostos melhores professores não passarem a ter melhor salário do que têm agora. Não há ganho. O que vai acontecer é simplesmente isto: os outros passam a ganhar muito menos. E os melhores ficarão contentes e satisfeitos pela desgraça alheia, em os outros estarem piores. E assim se iludem as pessoas. Assim vamos instituir uma luta feroz e perversa entre os professores, que deveriam acima de tudo cooperar e não lutar uns contra os outros para progredir. Sim, porque não basta ser bom para progredir. Tenho de eliminar a concorrência porque os lugares são escassos. Sem contar com a cultura da cunha e do compadrio tão presente na cultura portuguesa. Bonito serviço às escolas, não haja dúvida.
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