«Nos dias que antecederam a greve dos professores e educadores, várias foram as afirmações de governantes que não se dirigiam aos docentes, mas à opinião pública, a quem tentava enganar. A mais vezes repetida, foi a de que "actualmente os professores podem progredir e aceder ao topo da carreira pelo simples decorrer do tempo". É mentira! São três as condições para que um docente progrida na carreira: tempo de serviço; aproveitamento em acções de formação, avaliação do desempenho.
Podem os governantes desvalorizar os dois últimos requisitos, contudo, eles existem e, sem que sejam cumpridos, o docente não progride. Quanto à formação contínua é curioso que o ME proponha, para o futuro, um modelo semelhante ao actual. Quanto à avaliação de desempenho, pode considerar-se pouco exigente ou pouco consequente, não pode é considerar-se inexistente. E se o actual regime de avaliação não foi mais além, foi porque sucessivas equipas ministeriais, incluindo a actual, se recusaram a regulamentar a atribuição da menção de 'Muito Bom', que distinguiria os melhores.
Para o futuro, o que o ME propõe não é um novo modelo de avaliação do desempenho, mas, na verdade, um conjunto de mecanismos que visam, sobretudo, reduzir os salários dos docentes. Através da perda significativa de tempo de serviço para efeitos de progressão, designadamente devido a doença comprovada; através da imposição de vagas para acesso aos três escalões de topo de carreira.
Afirma o ME que se trata de distinguir e premiar o mérito, mas não é verdade, pois dezenas e dezenas de milhar de docentes verão reconhecidos o seu mérito em concurso e provas públicas, mas, para efeitos de carreira, ficarão como os que não revelarem mérito. Isto porque, mérito terão, não terão é vaga (essa será limitada pelo Governo).
Afinal, com tanto discurso meritocrático, o projecto do ME, para revisão do ECD, conhecida que é a 4ª versão (entregue aos Sindicatos, em 19/10 é, no essencial, semelhante à primeira) limita-se a prever normas e mecanismos que têm um só objectivo: reduzir! [Entretanto, há uma 5ª versão que, no essencial, continua semelhante à primeira.]
Reduzir o número de docentes, designadamente contratados que ficarão no desemprego e docentes dos quadros que passarão a supranumerários. Reduzir os salários dos docentes, quer fixando-os em escalão intermédio, quer no escalão em que já se encontram se estiverem nos de topo. Com objectivos tão negativos é, pois, natural que os governantes tenham de recorrer a falsidades. Só assim poderão manipular a opinião do cidadão comum.»
Mário Nogueira, Expresso, 21.10.2006
A questão sobre o sistema actual não está na existência e condições para progredir. Está no facto dessas condições serem "virtuais" uma vez que, efectivamente, todos progrediam, ao ritmo do tempo passado. São apenas pro formas...
ResponderEliminarPara valorizar os melhores, só os melhores deverão progredir a esse ritmo.
Os restantes, progridem ao ritmo da sua qualidade e produtividade.
Como pode haver aqui qualquer contestação?
Compreendo o ponto de vista, mas discordo, sendo esta uma oportunidade para explicar porquê. Não vamos ser ingénuos quanto às intenções práticas do Ministério da Educação. Melhorar o ensino e reconhecer o mérito são, no máximo, objectivos secundaríssimos face ao objectivos de cortar na despesa da Educação e nos salários dos professores, com efeitos óbvios nas condições de trabalho e no processo de ensino-aprendizagem - não se esqueça que está em curso a intensificação e sobrecarga horária do professor, que o deixa cada vez mais com menos tempo para a preparação pedagógica (aulas, trabalho com os alunos). A consequência é a tecnicização, burocratização e desqualificação da profissão. Se assim se defende o interesse dos pais e dos seus filhos... da qualificação e progresso do país...
ResponderEliminarRecentemente, no telejornal da RTP2, a própria ministra reconheceu que a introdução de quotas apertadas para o mérito era um mecanismo artificial. Por outras palavras, que haverá milhares de docentes com mérito (Bom, Muito Bom e Excelente) que nunca verão esse mérito reconhecido e traduzido em progressão na carreira. Porquê? Porque não é o mérito o essencial. É o corte nos salários. Recordo que Jorge Pedreira, secretário de estado adjunto da Educação afirmou ser «ilusão dizer que os professores se motivam pela progressão na carreira». Esta conversa é para dizer que esperam que os professores se motivem apesar de os impedirem, até por motivos de doença ou maternidade, de progredirem na carreira e valorizarem o salário. Veja-se ainda as palavras da ministra em Nudez mórbida na Acção Socialista.
A actual progressão na carreira faz-se apenas com uma nota: satisfaz (quem tem não satisfaz não progride). É assim não por vontade dos docentes, mas porque o Ministério, apesar dos apelos dos sindicatos, há anos que protelou a regulamentação do Bom e Muito Bom que está previsto no actual estatuto de carreira. Nunca esteve interessado em reconhecer mérito porque teria de pagar mais aos melhores, por exemplo. Uma chatice, pois. Mérito para pagar mais não interessa. É claro que a avaliação actual pode e deve ser melhorada, ser mais exigente e rigorosa. Mas, não há só uma forma de o alcançar, como o ministério procura vender. São tempos de pensamento único, de "one best way"...
A revista Visão de 2 de Novembro (p. 42) diz: «o actual debate sobre o Estatuto da Carreira Docente seria diferente se o Governo garantisse um aumento salarial para a nova classe dos professores tutores» [titulares]. É a comunicação social que já percebe a engrenagem da operação de Maria de Lurdes Rodrigues. Não sofre qualquer contestação que o mérito deve ser correspondido com uma recompensa. E a recompensa dos professores Bons, Muito Bons e Excelentes é terem um salário igual ao que já usufruem actualmente (não há, pois, valorização salarial), acrescido da intensificação do horário, com mais responsabilidades e funções burocráticas. É esta a recompensa para os bons professores, aqueles que são excelentes no trabalho pedagógico com os alunos. Ganhar o mesmo, trabalhar mais (horário sobrecarregado) e cumprir tarefas burocráticas. Os bons professores nunca deveriam deixar de fazer o essencial: dar aulas. Não é nisso e para isso que o mérito lhes é reconhecido? O país pode dispensar os bons professores, ainda por cima os mais experientes?
Como se vê, a lógica simplista com que o assunto tem sido vendido à opinião pública tem pés-de-barro. Há muito além da superfície. É preciso saber como as coisas funcionam, saber as causas e razão de ser das coisas. Venha o mérito, mas não digam que o mérito não tem recompensa. Não se progride ao ritmo da produtividade ou do mérito mas sim das quotas apertadas. Veremos se isso motiva os professores e os torna melhores. Veremos se o ensino melhora.
Tudo isto não é novidade nenhuma. Já aconteceu em outros países onde chegou o neoliberalismo, já nos idos anos 80. Actualmente, em Portugal, estas políticas neoliberais contra os professores vêm pela mão do socialismo democrático (da esquerda ou centro-esquerda, esta conhecida por Terceira Via) mas não deixam de ser neoliberais, nem de ter consequências já conhecidas. É perceber, por exemplo, a razão da Inglaterra ter falta de professores e os tentar recrutar no estrangeiro... Agradeçam à Margaret Thatcher pela desvalorização e precarização da profissão docente... pela mercantilização da educação... (Há uns livrinhos que documentam tudo isso.) Todavia, nestas coisas, são sempre as classes mais baixas e desfavorecidas que sofrem, porque os políticos e a burguesia vão colocar os seus filhos nos colégios privados... Pudera, sabem muito bem as condições de trabalho que precarizam na escola pública...
Mais uma prova das verdadeiras intenções de Maria de Lurdes Rodrigues para baratear o custo do trabalho? Na Visão já citada, podemos ler ainda: «para incendiar os ânimos, soube-se nos últimos dias, que o ministério pode estar a ponderar obrigar os professores a darem aulas oito horas por dia.» Os objectivos reais do Governo são claros. Quem é professor sabe o que isto significaria em termos de intensificação (sobrecarga) de trabalho. O que significaria na desqualificação e precarização da profissão: está-se a menosprezar e a dizer que o trabalho de preparação das aulas e acompanhamento dos alunos não interessa para nada. O que significaria no desgaste que já é hoje acentuado na profissão, facto reconhecido em estudos (mais não fosse pela percentagem de professores clientes de psicólogos e psiquiatras). Querem é ter um guardador de meninos durante oito horas seja em que condições for. A qualidade das aprendizagens não importa...
Alguém pensa que trabalhar oito horas por dia com 20 ou mais alunos em cada hora é como estar sentado a uma secretária escrevinhando uns papéis? Os pais muitas vezes não conseguem "aturar" um filho durante mais de uma hora, agora imaginem que tinham 20 ou mais durante oito horas num dia... todos diferentes, cada vez mais irriquietos e indisciplinados pela falta de educação de casa e de acompanhamento da família..., obstaculizando o trabalho pedagógico. Está provado que numa aula um professor toma em média de 500 decisões. Além do trabalho científico-pedagógico tem de gerir pessoas, gerir os seus problemas, relacionamentos e atitudes, o que provoca um desgaste emocional muito grande, sobretudo em todo o ensino básico.
Os professores e os sindicatos não possuem os meios do Governo para deformar as opiniões e tornar as pessoas submissas ao que lhes é vendido (ao ponto do ministério ter comprado páginas nos jornais - veja-se os milhares que gastou em publicidade por altura da greve dos professores em Despesismo do Ministério da Educação que quer cortar em carreiras e salários). O mérito, a competitividade, a flexibilidade e outros slogans não são mais do que eufemismos para precarizar o trabalho, despedir de forma barata e cortar nas despesas sociais com a Educação. O sonho do ministério será nem pagar os professores: terem vocação e gostarem do que fazem poderia ser razão para dispensar o salário... Assim os cortes (lucros) seriam maiores...