«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Uns mais imunes do que outros

Numa terra em que a contundência verbal é comum, por razões socio-políticas, a condenação do deputado João Carlos Gouveia a pagar uma indemnização de 35.000 euros é pesada e supreendeu até os queixosos. O tribunal entendeu ter havido difamação do presidente do Governo Regional. É o juízo judicial perante os factos (não políticos).

Independentemente das razões que assistem ou não às partes, o encarceramento de um deputado marcará, de forma negativa, a história parlamentar da Região, a Autonomia e a Democracia.

Por um lado, o voluntarismo na denúncia, quando o denunciante não tem os meios para investigar e fazer prova em certas matérias, deve ser acompanhada de cautela na escolha das palavras, evitando a fulanização, de forma a não proporcionar terreno para se provar a existência de difamação. Neste caso, imputar a uma pessoa a colocação de bombas, participação em crimes terroristas, envolvimento em esquemas de corrupção e responsabilidade por um alegado "paraíso criminal" ou "mafioso" na Madeira era difícil sustentar - mesmo no âmbito da luta política - e, consequentemente, evitar a acusação de difamação. Denunciar e constatar indícios de corrupção e de passividade face à mesma é diferente de chamar corrupto a uma pessoa em particular.

Por outro lado, compreende-se a injustiça por ser levantada a imunidade parlamentar a uns e não a outros, de uns poderem ser condenados por ofensa e difamação quando outros autores de insulto, de ofensa e prepotência não caem nas malhas da lei e da justiça, permanecendo impunes, apesar da prática continuada. O levantar da imunidade parlamentar não deveria estar ao sabor do arbítrio de uma maioria absoluta. Recorde-se, todavia, que Rocha da Silva, director regional do Governo da Madeira, acabou de ser condenado a uma multa de 5.300 euros pelo crime de difamação continuada. Se fosse deputado do PSD-M ter-lhe-ia sido levantada a imunidade parlamentar, como ao deputado do PS, para responder em tribunal? É tal sentimento de injustiça que pode desmoralizar uma pessoa e não uma pena ditada pelo tribunal. A obediência à arbitrariedade provoca um esmagamento, um efeito de terror.

Neste momento, com pouco a perder, João Carlos Gouveia opta por tentar dar mais visibilidade política e mediática ao caso. Desafia, no Diário de hoje, o PSD-M a levantar-lhe, mais uma vez, no âmbito do mesmo caso, a imunidade parlamentar, à semelhança do que já fez aquele partido, no passado. A imunidade levantada pela maioria absoluta para permitir o julgamento e condenação do deputado em tribunal será agora negada para evitar a opção (impacto) de cumprir a multa na cadeia? A sua eventual ida para a cadeia, em alternativa ao pagamento da multa de 1.500 euros, colocará mais holofotes sobre as suas denúncias, embora pessoalmente tenha custos. Independentemente das razões que assistem ou não às partes, o encarceramento de um deputado marcará, de forma negativa, a história parlamentar da Região, a Autonomia e a Democracia.

Mesmo que não se concorde com o estilo, o modo e até o teor das declarações e denúncias, o deputado em causa é já símbolo da coragem (e de resistência contra os excessos de um poder exercido por uma maioria absoluta há 30 anos) na denúncia de muita coisa que, de forma generalizada, os madeirenses falam e maldizem em privado, off record. Quem luta, mesmo que não tenha sempre razão ou se exceda (interessará sempre acautelar os riscos legais, até para a luta reunir mais apoios, ser mais eficaz e não ser descredibilizada), não pode ser abandonado.

Não pode ser abandonado, sobretudo, numa terra onde abunda o oportunismo, o interesse pessoal e é rara a solidariedade nos momentos difíceis, quando mais faz sentido a solidariedade. Porque o que interessa é não fazer ondas, não perturbar a inércia e a paz podre. Porque debaixo da precaução, da cautela, da desconfiança, da falta de audácia e coragem, da submissão e conformismo atávicos, dos «brandos costumes», do evitar do conflito, do acabrunhamento, habita o medo entranhado.

(Photo copyright Diário de Notícias)

1 comentário:

  1. Nestas circunstâncias resta à oposição ou a qualquer cidadão o recurso à denúncia anónima.
    Será necessário voltar ao velho instrumento do combate político, o panfleto!

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