The show must go on. Pois com certeza.
O livro de recordes Guinness World Records atribuíu à passagem de ano na Madeira o título de maior espectáculo pirotécnico do mundo. Hoje o título do Diário, Fogo no Guiness provoca euforia, diz tudo. Mas, há um outro lado do recorde e da euforia. Além da beleza inquestionável do espectáculo.
No dia 31, um casal da Inglaterra, pela primeira vez na passagem de ano cá na Madeira, perante o fogo posicionado ao longo da marginal da Avenida do Mar, perguntou-me: «Where does the money come from?» (De onde vem o dinheiro?).
O espectáculo pirotécnico no Funchal, às doze badaladas de 31 de Dezembro, não é só, como alguém disse, o tempo em que a noite desaparece. Este ano, particularmente, foi também o tempo em que se tentou fazer desaparecer a crise. Alimenta-se o gosto pela festa, pelo viver acima das posses, pelo sonho. Foi para retardar a entrada dos madeirenses na realidade dos tempos de aperto do cinto e dos erros governativos, do despesismo e das prioridades às avessas.
Então a Madeira não é, afinal, um cantinho do ceú? Manter as mentes anestesiadas, com o requinte de ser acompanhado de um recorde do Guinness, precisamente este ano, para evitar pensar em maluqueiras como essa coisa chamada crise. Isso são coisas apenas do rectângulo. Era preciso que a entrada em 2007 dos madeirenses fosse consumada com um espectáculo onírico que fizesse história. Foi uma passagem de ano politizada: o timing de agendamento e registo do recorde prova isso - até parece que recebemos 2008, ano eleitoral de grande nervosismo, e não 2007.
Será que que os madeirenses se interrogam sobre a sustentabilidade de 1,2 milhões de euros num espectáculo de artifício de alguns minutos, numa pequena ilha com carências? Segundo a Lusa, o «Governo Regional investiu, este ano, no programa Festa de Natal e Fim-de-Ano 6,6 milhões de euros» (não digam nada ao ministro Teixeira dos Santos que ele ainda invoca mais disciplina e rigor nas finanças públicas...). Há retorno? Um espectáculo com menor orçamento, à medida das possibilidades da nossa ilha, para nem falar do momento actual de crise, deixaria de atrair os turistas e agradar aos madeirenses?
Será que compensa gastar tal volume de dinheiro para atrair turistas alguns dias ou algumas horas à Madeira para a passagem de ano? E a prova está aqui: apesar do investimento no fogo de artifício, ainda este ano se andou a vender ao preço da chuva a passagem do ano, que muito incomodou a Secretaria Regional do Turismo, que reagiu com críticas, como se fosse antipatriótico vender mais barato o que não se vendia. É o mercado a funcionar.
Não há desproporção em a Madeira destronar metrópoles como Paris, Sidney, Nova Iorque ou Hong Kong? Há mais turistas e população residente na Madeira do que em Hong Kong, Nova Iorque, Sidney ou Paris? Será que há realismo (palavra dura) nas proporções? Porque o maior e mais belo espectáculo de fogo de artifício depende, basicamente, de dinheiro para comprar o fogo. E estamos dispostos a gastar mais que outros, pelo que se vê. The show must go on...
Será que a protecção do exotismo, das características únicas da paisagem e do ambiente da Madeira não garantiria mais turistas durante todo o ano e no futuro?
Mas, a façanha serviu para fazer um forrobodó. Será que promoverá tanto assim a Madeira estar inscrito no livro de recordes do Guinness, ainda que seja, segundo consta, o terceiro livro mais lido no mundo, a seguir à Bíblia e ao Alcorão, e publicado em 37 idiomas? Entre ler este livro de curiosidades (algumas bem bizarras) e vir à Madeira ver o fogo vai uma grande distância... Para relativizar um pouco mais a euforia, basta lembrar que o recorde da Madeira está entre recordes magnânimos e prestigiantes (desculpem os leitores mais sensíveis) como este. Se não for convicente, há este ou ainda este, entre muitos outros. Para além do facto daquilo que é hoje recorde pode não ser amanhã.
No fogo de artifício batemos o recorde e estamos à frente na Europa e no Mundo. É fogo de vista e passageiro, embora bonito a agradável, não é isso que está em causa. Preferia que estivessemos à frente da Europa quanto à maior equidade na distribuição da riqueza ou em aspectos essenciais e duradouros como o poder de compra ou o nível socio-cultural da população. Mas já se base que quem não vai, acriticamente, na euforia é miserabilista...
(photo copyright www.madeiraturismo.com)
Tens razão Nélio, mas não te podes esquecer que este é o maior cartaz turístico da Madeira. Se vamos começar a contar tostões, pensa lá no que gastam as restantes Câmaras do País, bem como o próprio Governo da República em espectáculos medíocres. Não podemos ser megalómanos, mas não precisamos andar a contar umas pataquinhas para o que é verdadeiramente importante.
ResponderEliminarBom ano novo.
Lá estamos outra vez a justificar os nossos erros, com os erros dos outros, lá pelos outros (Câmaras do País e Governo Central) fazer m.... porque é que nós temos de fazer também. É ridícula a euforia acerca do fogo-no-guiness.É certo que o fim-de-ano é um grande cartaz da Madeira mas de certeza que os turistas cá vêm mais pela Natureza e paisagem que pelo fogo-no-guiness, e sabemos o que 1 milhão de Euros investidos nestas vertentes fariam a mais pelo Turismo sustentado.
ResponderEliminarÉ simplesmente ridículo entidades governamentais se "excitarem" tanto com isto.
É por estas e outras que este país não avança. Quem critica negativamente sobre os gastos é mesmo cegueta. Por cada euro gasto no fim-de-ano na Madeira, é ganho 2-3 euros vindos dos 60 mil turistas que visitaram a Madeira nesta quadra. Se ainda não perceberam, eu digo com todas as letras/algarismos: 1 milhão de euros de fogo = 2 a 3 milhões de receitas directas (sem contar com as indirectas). Ao contrário do TGV /Ota(rio) que vai levar mais de 10 MIL MILHÕES e não vai ter retorno nenhum.
ResponderEliminarSegundo a Lusa, o «Governo Regional investiu, este ano, no programa Festa de Natal e Fim-de-Ano, 6,6 milhões de euros».
ResponderEliminarSe o fogo de artifício tivesse custado menos de 1,2 milhões de euros (com IVA), a despesa seria menor, a receita turística seria basicamente a mesma e, por conseguinte, o lucro seria maior.
Mas, era preciso grandeza para "comprar" (ao preço que fosse)o recorde no Guinness. Em tempo de suposta crise...
Em resposta ao Nelio Sousa: Podia-se ter poupado $$ este ano e teríamos a mesma receita.... este ano. Porque no próximo, os que vieram não iriam ficar maravilhados com o que haviam visto, e as receitas, futuramente, seriam menores. Porque se não ficarem satisfeitos e se não mantiver o esplendor dos anos anteriores, os turistas deixarão de vir, e naturalmente as receitas não serão as mesmas. O problema deste país é de se pensar no dinheiro fácil, gastando o mínimo o que, geralmente , implica má qualidade. Os prejuízos é que aparecem depois...
ResponderEliminarNem sempre se gastou tanto dinheiro em fogo e o espectáculo de fim de ano na Madeira era já, nessa altura, o nosso maior cartaz turístico, com grande afluência de turistas. Não é de agora que os hotéis ficam lotados de turistas. Decidiu-se que o fogo tinha de ser o maior do mundo, mesmo em tempo de crise financeira. É uma opção. Fica colocada uma fasquia elevada, sem retorno, para não desiludir ninguém no ano seguinte. Oxalá o dinheiro corra sempre, para manter-se o recorde. Quem não gosta de fogo e festa? E não se esqueça que a euforia também dá jeito, para consumo interno, sobretudo na actual conjuntura.
ResponderEliminarO Livro Vermelho do Mao Tsé-Tung vendeu 4 vezes mais cópias que o conjunto de todas as edições anuais do Guinness Book. E quantos Maoístas vocês conhecem? Provavelmente nenhum.
ResponderEliminarO número de vendas de um livro não equivale ao seu número de leituras, e o seu número de leituras não equivale ao seu número de admiradores.
Apenas uma minoria daqueles que comprarem a edição na qual figura o nosso recorde, efectivamente vão ler o livro, e suspeito que dessa minoria, apenas uma dúzia se lembre do nosso recorde, quando acabar de ler os milhares de histórias dessa edição. Considerando uma taxa de conversão leitor-admirador semelhante à do Livro Vermelho, poderemos concluir que a presença no Guinness Book traz 0 turistas à Madeira.
As inteligências cá do burgo dirão que não é a presença no livro em si que promove o destino, mas sim a capitalização do facto nas acções de promoção turística. Por favor, não! O Guinness Book tornou-se sinónimo de ridículo/estranho, e isso não é boa publicidade para ninguém.
Em relação ao elevar da fasquia, para não defraudar as expectativas: tretas! Ainda não tivemos um fogo-de-artifício + iluminação melhores que os da passagem de século, e o nº de turistas não diminuiu... só a conta é que aumentou.
P.S.: Ah, e não! O Guinness Book não é o 3º livro mais vendido em todo o mundo. Consultem os tops de vendas anuais das grandes livrarias on-line, e descubram-me o livro nos 1ºs mil... até o Noddy vende mais... :)
Ainda o Euro não existia e já se falava em 200 mil contos para o fogo-de-artifício, o que equivale a 1 milhão de euros, ou seja, o valor gasto no fogo tem sido o mesmo dos últimos anos.
ResponderEliminar