«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, julho 01, 2007

Crónica: o coração de uma comunidade

Momentos idílicos de reunião de uma comunidade, decorrente de uma actividade da sua escola, como as imagens documentam, são raros. Se a escola já tivesse sido fechada, como os responsáveis governativos procuram concretizar há anos, este momento não existiria mais.

No Jardim do Mar, a escola ainda é um ponto de encontro e envolvimento da comunidade. Seria uma pena se se perdessem momentos como o do encerramento das actividades escolares, na passada sexta-feira.

As representações e actuações da pequenada e dos alunos do nocturno injectaram alegria e orgulho e arrancaram sorrisos e aplausos (não apresentamos essas imagens por terem ocorrido no interior do edifício escolar, respeitando-se o direito de reserva de imagem de quem esteve presente). Seguiu-se a homenagem aos que mudavam de ano ou ciclo de ensino. Por fim, o convívio. Cá fora, grandes e pequenos brincaram e interagiram.

Quando o secretário regional da Educação anterior, Francisco Santos, com as melhores das vontades e intenções, visitou um dia a escola do Jardim do Mar, para convencer os encarregados de educação das vantagens de deslocar os filhos para uma escola a tempo inteiro, no Paul do Mar ou no Estreito da Calheta, houve uma diálogo surpreendente.

Talvez sem plena consciência, os pais colocaram em causa a estratégia da tutela de concentração em escolas maiores e com "melhores" condições educativas (conceito ambivalente como veremos mais adiante). Disseram que preferiam uma menor estimulação dos seus filhos (com a informática, o inglês, entre outras modalidades oferecidas nas escolas grandes e modernas) em favor de um desenvolvimento pessoal e social mais sereno, equilibrado e inserido na comunidade. Se todos os ganhos não eram possíveis, os pais optaram por defender aquilo que consideravam ser mais importante.

Deram prioridade ao estar e ser em detrimento do fazer. Preferiram ter os miúdos por perto, vivendo e aprendendo na comunidade, companhados por familiares depois da escola, e não ter os filhos fora o dia todo, a serem estimulados durante 10 horas numa escola a tempo inteiro. Os pais têm consciência que a demasiada estimulação e informação também têm desvantagens. Disseram que havia coisas que dava tempo aprender. Um sacrilégio quando a moda é fazer das crianças pequenos tecnocratas. A partir do berço, se possível. Quanto mais precoce melhor.

Nos tempos que correm, os pais e demais familiares quererem ter mais tempo para estarem uns com os outros parece surreal. O que está a dar é depositar os filhos de manhã cedo e ir buscar à tarde. Dizem que a vida moderna obriga a que assim seja. Mas, quem tem outra opção, por que razão obrigar a ser assim? Porque é suposto ser tudo assim, mesmo em circunstâncias diferentes? O espaço rural não é diferente do urbano?

Os pais do Jardim do Mar, com a Junta de Freguesia do seu lado, quiseram os filhos na comunidade o dia todo, mesmo numa escola sem as condições modernas de outras. Mas, também sem alguns problemas de outras. Em nome da racionalidade e da competitividade a opção dos pais não fazia sentido. Para nem referir o facto de estarem a contrariar uma vontade política superior.

Um dos argumentos ou vantagens da deslocação das crianças para uma escola maior era a socialização (evitar a guetização). Os pais contra-argumentaram como o facto das crianças da freguesia não terem problemas especiais de integração e socialização (ou de sucesso escolar) quando iam para o 5º ano, na Escola Básica e Secundária da Calheta.

Havia ainda outro problema: as deslocações numa estrada com queda de pedras frequente (construíram a promenade para defender a freguesia do mar, quando o maior ameaça à segurança das pessoas reside nas derrocadas do penhasco sobranceiro à estrada que liga Jardim do Mar e Estreito da Calheta, facto que continua a ser escandalosamente ignorado).

A felicidade das pessoas depende (sobretudo) de outros valores e de outras dimensões da vida, como se sabe. Mas, o mundo (economia) não anda para aí virado. É preciso resistir e minimizar certos danos, mesmo que os não os evitemos por completo.

Nem tudo na vida se pode resumir à racionalidade, à eficácia, à uniformidade, à gestão, à competitividade e à produtividade. Estes valores não são valores absolutos, inquestionáveis, defensáveis sem condições. Não são valores neutros, objectivos ou intrinsecamente positivos que exijam uma rendição ou adesão incondicionais. Contêm ambivalências, desautorizando uma apreciação categórica e simplista. É preciso atender às suas implicações negativas ou, pelo menos, problemáticas.

Como alguém dizia, «há aspectos do progresso e do desenvolvimento que tornam pessoas e sociedades insatisfeitas e infelizes - o que é paradoxal mas não menos real.» É preciso não perder certos equilíbrios e evitar certos sacrifícios... perfeitamente evitáveis. Há vida e felicidade para além da racionalidade económica.

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