Meu caro José Sócrates
A ideia de te resolver problemas é absolutamente nova, tanto mais que, até há pouco, tu os resolvias sozinho. Porém, as sondagens aí estão a pedir ajuda - e grande - e, como sempre, cá estou eu disposto a dar a mão a primeiros-ministros mais ou menos caídos em desgraça (ou em pouca graça), independentemente da sua ideologia, formação, preferência filosófica, raça, credo e partido, como manda a Constituição.
Portanto, aproveita, enquanto estou de bom humor!
Os teus principais problemas são dois:
1) A Ota
2) O facto de haver gente que insiste em gozar contigo e com os teus ministros e directores-gerais.
O segundo tem uma solução muito simples. Já o primeiro precisa de algum engenho (não necessariamente inscrito na Ordem) e de bastante arte. Por isso, começarei pelo segundo:
Há um modo de saber que pessoas podem gozar impunemente contigo e com os teus ministros: É listá-las! Por exemplo: eu posso, pode o Gato Fedorento, mais as Produções Fictícias e uma cambada de semidesempregados sem lugar no Estado e sem sentido do mesmo que ganham a vida a dizer disparates; podem, ainda, os profissionais liberais e os empresários que não tenham créditos, negócios ou concursos realizados pelo Estado; podem, finalmente, os sacerdotes de diversas religiões que não estejam à espera de nenhum subsídio e os artistas e intelectuais que não esperem uma sinecura.
Retirando estas 54 pessoas, não pode mais ninguém, dentro do velho espírito que o meu professor de Filosofia costumava postular e que se traduzia nesta frase: «Quem quiser brincar cá dentro, faça o favor de ir brincar lá para fora.» Bastante simples, como vês, e sem outros custos que não sejam os da explicação cabal e sincera.
A questão da Ota requer, como já te disse, bastante mais imaginação. Confesso, aliás, que a ideia não é inteiramente minha, mas de amigo que - por trabalhar para o Estado e ter dito já umas graçolas a teu respeito - prefere manter o anonimato.
Aqui a ideia é o Governo não perder a face, de modo a que o novo aeroporto se faça na Ota, independentemente de estudos apontarem para solução diversa. Claro que uma hipótese seria colocar o aeroporto na Ota e pronto. Mas isso poderia ser visto como uma acção autoritária e nós não queremos autoritarismos. Por isso, devemos fazer as coisas de forma democrática e inteiramente aberta à discussão pública. Assim, a partir de agora, em vez de discutirmos onde fica o aeroporto, discutiremos onde fica a Ota. O Mário Lino pode ficar descansado.
Se os estudos apontarem Alcochete, a Ota ficará em Alcochete. A Ota pode ficar em Rio Frio ou mesmo na Portela e na Portela+1, sendo que esta solução se passará a chamar Ota+1.
Alcochete tem um certo ar islâmico que nem convém à segurança aeroportuária, enquanto Ota soa melhor e é mais fácil de dizer. Por isso, Ota é onde for o aeroporto - eis uma discussão que já está ganha por ti. Agora, basta convencer o Mário Lino a não dizer mais graçolas, se não quiser ser despedido pelo Correia de Campos ou pela Margarida Moreira - porque ele, como viste, não faz parte da lista dos 54.
Recebe um abraço do teu
Comendador Marques de Correia
Lisboa, 3 de Julho de 2007
Expresso - "Cartas do Comendador"
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