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Eduardo Lourenço, um dos mais prestigiados pensadores portugueses, «embora favorável a ideias de esquerda, nunca abandonou uma atitude crítica perante essa esquerda.»
Ele faz uma abordagem crítica da realidade, que lhe permite analisar as «motivações menos evidentes no comportamento dos portugueses como povo» (citado daqui).
Daí colocar, por exemplo, o dedo na ferida da educação infantil permissiva em Portugal, que tantos maus resultados tem dado ao país, sustentada por uma certa esquerda irrealista, que não assume os contornos negativos e perversos da natureza humana (a tal teoria do bom selvagem...), desculpabilizando-os ao transferir a responsabilidade individual para a sociedade, eleita como fonte de todo o mal.
N'O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português, de 1978, podemos ler o seguinte:
«É pena que Freud não nos tenha conhecido: teria descoberto, ao menos, no campo da pura vontade de aparecer, um povo em que se exemplifica o sublime triunfo do princípio do prazer sobre o princípio da realidade.
Talvez não ficasse admirado se conhecesse, mesmo pela rama, umas das menos repressivas educações infantis que existem e tanto entusiasmaram Sartre quando observou a análoga, a vizinha Espanha. Adulação permanente e espectacular da criança-rei (sobretudo o macho), porta aberta para a suas pulsões narcisistas e exibicionistas, ausência de perspectiva social positiva salvo a que prolonga a afirmação egoísta de si, tais são os mais comuns reflexos da educação portuguesa, defesa natural de mães frustradas nela pelo genérico absentismo e irresponsabilidade paternos.
A contrapartida desta “realeza” que converte cada adolescente (macho) na famosa espécie dos «matões» cara ao nosso Épico, traduz-se numa indefinição do espaço humano que nada limita e define senão a vontade oposta, e dá origem a uma sociedade que, sem paradoxo algum, suscista e impõe uma “violência estatal” que, exteriormente, equilibra essa fictícia realeza individual.
Nada há na educação portuguesa – sobretudo hoje que a também «exterior» mas efectiva pressão ética de ordem religiosa naufragou – que contribua para a existência de um comportamento tanto quanto possível autodeterminado.»
Desde 1978 (30 anos) a situação extremou-se na educação das crianças, agora com ambos os pais ausentes por razões laborais, que se tornam permissivos e laxistas, numa tentativa de compensação, criando realezas individuais, egos insuflados que tudo trituram à passagem. Como se não bastasse, os pais cobrem a irresponsabilidade dos filhos quando os problemas surgem, sobretudo na escola. A responsabilidade é sempre exterior aos próprios.
O caminho fica todo aberto para as tais pulsões narcisistas e de afirmação egoísta de si próprios, sem ter em conta, minimamente, o outro, sem ter em conta a estrutura moral e sentimentos alheios, sem ter uma perspectiva positiva do que os rodeia.
Na sua perspectiva só conta uma coisa: EU, EU, EU e absolutamente mais nada e ninguém. Nada põe travão a essa afirmação egoísta de si. Nada trava essa «realeza individual». Nada obstaculiza a violência. Nem a vontade alheia, seja ela qual for. Nada conta senão a vontade própria. Sentem-se o centro do mundo e tudo querem que orbite à sua volta, em vertigem. São petits dictateurs.
E depois há falta de condições de trabalho para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem na escola pública, dominada por atitudes e comportamentos obstaculizantes do trabalho pedagógico e das aprendizagens. Algumas realezas individuais ignoram o dever de reconhecer o direito à educação e ensino dos outros, dos que querem aprender.
Isto é um problema central que não pode ser lateralizado, porque arruina as condições de trabalho nas escolas. Mas tem sido lateralizado porque é mais fácil responsabilizar a sociedade do que resolver os problemas e responsabilizar os indivíduos. A sociedade é toda a gente e ninguém em concreto, mas quando é preciso personalizar aí está o professor, o padre, o governo, entre outros, uma qualquer entidade exterior ao tal EU omnipotente, para transferir as suas responsabilidades para a esfera alheia.
Tudo assobia para o lado para não ser politicamente incorrecto e não dizer que o rei vai nu. A indisciplina, a falta de civismo (há melhor exemplo do que a matança nas estradas portuguesas?), a ausência de competências sociais de convivência, a atitude perante o trabalho e o pouco esforço do aluno minam e degradam a escola pública, que não consegue qualidade, nem quantidade.
Nem nunca conseguirá. A não ser apenas administrativa e estatisticamente, como é moda laxista do pós-25 de Abril, ou melhor, no pós-adesão à União Europeia, para mascarar, de forma irresponsável, a realidade que nos pesa na consciência, nos envergonha e nos atrasa. O que não é assumido não é resolvido.
«A escola é um lugar de esforço», disse um homem de esquerda, José Pacheco, mentor da Escola da Ponte, na Vila das Aves, quando esteve numa conferência na Calheta, no auditório do Centro de Artes, em Janeiro de 2007. «Os alunos da Ponte trabalham que se fartam», reforçou.
Muita democracia, autonomia e liberdade, mas muito trabalho e disciplina pessoais por parte dos alunos naquela escola progressista perto do Porto, uma utopia feita prática. E a prática deveu-se às condições envolventes que foram sendo resolvidas. Sem esforço e (auto)disciplina dos seus alunos, o projecto da Escola da Ponte, uma escola pública, teria sido um fracasso e não o sucesso que alcançou.
Invejamos muitas nações mas não queremos trabalhar para ser como elas. Nada de rigor e disciplina. Como se fossem sinónimo de fascismo para uma certa esquerda idealista. Trabalho, rigor, autodeterminação, responsabilidade individual e meritocracia não é de direita nem de esquerda: é o que é sensato ser, em equilíbrio e bom senso.
A disciplina não tem de ser medo e opressão. A disciplina pode ser construtiva e positiva, mesmo que seja incómodo para quem gosta do conforto da inércia. Nem sempre é fácil determinar a linha entre disciplina positiva e negativa...
Acreditamos que a melhor educação é aquela que se faz democraticamente. Mas, não consideramos que democracia (diálogo, negociação, comunicação) e disciplina se excluam ou sejam incompatíveis. Disciplina não tem de ser ditadura (ainda estamos muito próximos desse trauma histórico), nem a insdisciplina deve tornar-se numa ditadura, num despotismo. O ideal seria que nunca tivéssemos de impor disciplina se as pessoas fossem todas suficientemente autodeterminadas (responsáveis) e se correspondessem à acção dialogante (negociante).
Também não acreditamos, apenas, em normativos disciplinares e castigos para resolver problemas de conduta ou outros. Mas, por outro lado, a prevenção também não resolve tudo. É preciso actuar, simultaneamente, nas causas (a montante) e nos sintomas no presente (a juzante), como já aqui dissemos.
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