«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sábado, março 08, 2008

Professores de luto e em luta 81: onda HISTÓRICA de indignação

Quem de direito deve retirar as ilações políticas da manifestação de cerca de 100 mil professores (de um total de 150 mil em Portugal), que encheu Lisboa. Dois terços de uma das mais importantes profissões do país desceram à rua (mais imagens no post seguinte).

Ultrapassaram-se todas as expectativas. Até as dos sindicatos. Mas, especialmente, as previsões do Governo. Foi apenas a maior manifestação de sempre no sector da Educação e uma das maiores manifestações de rua do Portugal democrático.

À RTP a ministra disse, esta tarde, que não desiste à menor manifestação. MENOR? Chega a ser patético. Afirmou mesmo «não ser relevante» a participação de «100 mil professores na marcha da indignação», em Lisboa. Fala retoricamente de diálogo porque recusa ceder em seja o que for e mostra-se inflexível. Todavia, tem um mérito: ter unido os professores portugueses.

Menosprezou-se a manifestação de 25 mil professores no 5 de Outubro de 2006. Agora apanharam com quatro vezes mais. E aqui vamos. Outros sectores se juntarão aos professores, que lideram uma luta contra uma determinada forma de governar, destratando e culpabilizando as pessoas. Os docentes ganharam força hoje e dão força a outras classes profissionais, nomeadamente da função pública, num contexto que é, e continuará a ser, de crise económica nos próximos anos, isto é, desfavorável a eleitoralismos.

A estratégia de culpabilização dos professores, e unicamente eles, pelo estado da Educação, para legitimar, perante a opinião pública, a aplicação do respectivo castigo, em forma de medidas duras contra a profissão docente, foi errada. E vai mudar hoje. Se não mudar, o Governo vai sofrer mais erosão até à legislativas, realidade a que são cegos os que continuam inebriados com a maioria absoluta...

Transformar os docentes em únicos bodes expiatórios para poder bater à vontade não dá mais resultado. Porque esqueceram-se que quando se dá pau é preciso acenar com uma cenoura, alguma recompensa. E não há recompensa. Até o professor que seja classificado como excelente, naquelas quotas apertadas, nunca vai ter a carreira e o salário que tem agora. É um logro o peixe que tem andado a vender a ministra aos incautos.

Aquilo que é despejado para a opinião pública como recompensa é inferior ao que já tinha antes. Não é recompensa nenhuma. É um andar para trás. E não há volta a dar aqui. Ainda por cima, com um modelo de avaliação complexo, burocrático e com «falta de independência», como frisou hoje o sociólogo Vilaverde Cabral.

Mas, as questões não se resumem a aspectos laborais. Os professores têm uma grande dificuldade, pelos problemas generalizados de indisciplina (incluindo agressão verbal e física) e da atitude desfavorável de muitos jovens estudante perante o trabalho intelectual, de se sentirem realizados na profissão, com o trabalho pedagógico. Além do desgaste emocional e profissional, além da erosão da carreira e do salário, nem à recompensa de realização pessoal podem aceder por via dos resultados do seu trabalho (vide professores de luto e em luta 79).

"Assim não se pode ser professor" foi um slogan bem escolhido para a marcha de hoje. Por várias razões, com a insatisfação e frustração profissional no topo.


É isso que dói mais fundo. Mesmo sem grandes compensações salariais ou de carreira, a realização pessoal poderia ser um contraponto, a compensação a que os docentes se poderiam agarrar. Mas, nem isso é fácil, pelo contexto em que vivemos, contraditoriamente, de desvalorização da escola.

Pensam muitos que a actual e profunda desmotivação dos docentes se deve apenas ou sobretudo a questões de carreira. Foi apenas a gota de água, juntamente com o destratamento governamental relativamente à classe. A ministra, que não conhece a vida das escolas do ensino básico e secundário, não sabe dessa realidade menos visível. E é socióloga...

Maria de Lurdes Rodrigues afirmou ainda, hoje, que o governo iria às escolas para que os professores compreendessem as medidas de política educativa e o que está em jogo, como se fossem atrasadinhos mentais que não sabem ler a realidade e fossem marionetas das organizações representativas da classe.

Na Grande Entrevista, na passada quinta-feira, Maria de Lurdes Rodrigues referiu que, a julgar pelo que ouvia nas manifestações pelas cidades do país, as «pessoas [professores] não sabem do que estão a falar.» Pois, continua não só convencida que tem a virtude, a razão e a toda a verdade do seu lado, como menospreza e desvaloriza a capacidade de compreensão dos docentes.

Que raio. O papel do Ministério da Educação ou do Governo, por acaso, é ir para as escolas dar lições aos professores? Como disse Manuel Alegre hoje, não basta empunhar, ainda por cima no estilo "quero, posso e mando" em que é feito, com razões técnicas e estatísticas.

Não percebeu a ministra que cansou e já deixou de ser ouvida pelos professores? Que já não vão em cantigas? A ministra, ao destratar e culpabilizar os docentes e ao querer impor tudo à força, colocou ainda em risco a implementação de algumas mudanças.

Alguém vaticinou que a Marcha da Indignação pode estar para o governo de José Sócrates como o buzinão da Ponte 25 de Abril esteve para Cavaco Silva. Mais ilações políticas a retirar por quem acha que tudo se resolve e impõe com arrogância, menosprezo e desconsideração pelos cidadãos, neste caso pelos professores. O estilo quero posso e mando terá de alterar-se.

A reacção, ainda por cima irritada, do ministro Augusto Santos Silva face a uns manifestantes, há dois dias, à porta de uma reunião do Partido Socialista, foi desastrosa. Nunca deveria ter reagido. E reagiu contribuindo para a crispação. Não concordo com o uso de certas palavras de ordem como «fascistas», que é desproporcional (compreendo a reacção do ministro), mas as pessoas têm o direito a manifestar-se, dentro das regras da democracia.

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