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Ultrapassaram-se todas as expectativas. Até as dos sindicatos. Mas, especialmente, as previsões do Governo. Foi apenas a maior manifestação de sempre no sector da Educação e uma das maiores manifestações de rua do Portugal democrático.
À RTP a ministra disse, esta tarde, que não desiste à menor manifestação. MENOR? Chega a ser patético. Afirmou mesmo «não ser relevante» a participação de «100 mil professores na marcha da indignação», em Lisboa. Fala retoricamente de diálogo porque recusa ceder em seja o que for e mostra-se inflexível. Todavia, tem um mérito: ter unido os professores portugueses.
Menosprezou-se a manifestação de 25 mil professores no 5 de Outubro de 2006. Agora apanharam com quatro vezes mais. E aqui vamos. Outros sectores se juntarão aos professores, que lideram uma luta contra uma determinada forma de governar, destratando e culpabilizando as pessoas. Os docentes ganharam força hoje e dão força a outras classes profissionais, nomeadamente da função pública, num contexto que é, e continuará a ser, de crise económica nos próximos anos, isto é, desfavorável a eleitoralismos.
A estratégia de culpabilização dos professores, e unicamente eles, pelo estado da Educação, para legitimar, perante a opinião pública, a aplicação do respectivo castigo, em forma de medidas duras contra a profissão docente, foi errada. E vai mudar hoje. Se não mudar, o Governo vai sofrer mais erosão até à legislativas, realidade a que são cegos os que continuam inebriados com a maioria absoluta...
Transformar os docentes em únicos bodes expiatórios para poder bater à vontade não dá mais resultado. Porque esqueceram-se que quando se dá pau é preciso acenar com uma cenoura, alguma recompensa. E não há recompensa. Até o professor que seja classificado como excelente, naquelas quotas apertadas, nunca vai ter a carreira e o salário que tem agora. É um logro o peixe que tem andado a vender a ministra aos incautos.
Aquilo que é despejado para a opinião pública como recompensa é inferior ao que já tinha antes. Não é recompensa nenhuma. É um andar para trás. E não há volta a dar aqui. Ainda por cima, com um modelo de avaliação complexo, burocrático e com «falta de independência», como frisou hoje o sociólogo Vilaverde Cabral.
Mas, as questões não se resumem a aspectos laborais. Os professores têm uma grande dificuldade, pelos problemas generalizados de indisciplina (incluindo agressão verbal e física) e da atitude desfavorável de muitos jovens estudante perante o trabalho intelectual, de se sentirem realizados na profissão, com o trabalho pedagógico. Além do desgaste emocional e profissional, além da erosão da carreira e do salário, nem à recompensa de realização pessoal podem aceder por via dos resultados do seu trabalho (vide professores de luto e em luta 79).
"Assim não se pode ser professor" foi um slogan bem escolhido para a marcha de hoje. Por várias razões, com a insatisfação e frustração profissional no topo.
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É isso que dói mais fundo. Mesmo sem grandes compensações salariais ou de carreira, a realização pessoal poderia ser um contraponto, a compensação a que os docentes se poderiam agarrar. Mas, nem isso é fácil, pelo contexto em que vivemos, contraditoriamente, de desvalorização da escola.
Pensam muitos que a actual e profunda desmotivação dos docentes se deve apenas ou sobretudo a questões de carreira. Foi apenas a gota de água, juntamente com o destratamento governamental relativamente à classe. A ministra, que não conhece a vida das escolas do ensino básico e secundário, não sabe dessa realidade menos visível. E é socióloga...
Maria de Lurdes Rodrigues afirmou ainda, hoje, que o governo iria às escolas para que os professores compreendessem as medidas de política educativa e o que está em jogo, como se fossem atrasadinhos mentais que não sabem ler a realidade e fossem marionetas das organizações representativas da classe.
Na Grande Entrevista, na passada quinta-feira, Maria de Lurdes Rodrigues referiu que, a julgar pelo que ouvia nas manifestações pelas cidades do país, as «pessoas [professores] não sabem do que estão a falar.» Pois, continua não só convencida que tem a virtude, a razão e a toda a verdade do seu lado, como menospreza e desvaloriza a capacidade de compreensão dos docentes.
Que raio. O papel do Ministério da Educação ou do Governo, por acaso, é ir para as escolas dar lições aos professores? Como disse Manuel Alegre hoje, não basta empunhar, ainda por cima no estilo "quero, posso e mando" em que é feito, com razões técnicas e estatísticas.
Não percebeu a ministra que cansou e já deixou de ser ouvida pelos professores? Que já não vão em cantigas? A ministra, ao destratar e culpabilizar os docentes e ao querer impor tudo à força, colocou ainda em risco a implementação de algumas mudanças.
Alguém vaticinou que a Marcha da Indignação pode estar para o governo de José Sócrates como o buzinão da Ponte 25 de Abril esteve para Cavaco Silva. Mais ilações políticas a retirar por quem acha que tudo se resolve e impõe com arrogância, menosprezo e desconsideração pelos cidadãos, neste caso pelos professores. O estilo quero posso e mando terá de alterar-se.
A reacção, ainda por cima irritada, do ministro Augusto Santos Silva face a uns manifestantes, há dois dias, à porta de uma reunião do Partido Socialista, foi desastrosa. Nunca deveria ter reagido. E reagiu contribuindo para a crispação. Não concordo com o uso de certas palavras de ordem como «fascistas», que é desproporcional (compreendo a reacção do ministro), mas as pessoas têm o direito a manifestar-se, dentro das regras da democracia.
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