«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, outubro 19, 2008

Canarização & telefericação do Destino Madeira

Na recente conferência Anual do Turismo, no dia 17 de Outubro, organizada pela Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Economistas, as praias de areia amarela e o teleférico do Rabaçal foram criticados pelos palestrantes, a começar por João Welsh.

Segundo o Diário, «Melim Mendes criticou o provincianismo com que se adoptaram alguns maus exemplos das Canárias. "Muitos madeirenses embasbacavam com o que de mal feito se fazia nas Canárias", ironizou.»

António Trindade atacou a «canarialização» do destino Madeira, condenando a tendência para as praias artificiais de areia amarela, um sinal de como é «imperiosa a requalificação do destino.»

Raimundo Quintal abordou as «falsas praias de areia amarela e a importação de árvores que nada têm a ver com a nossa flora, nomeadamente as palmeiras de origem africana, foram aliás questões que despertaram a plateia.»

pictures copyright: Diário e Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste

9 comentários:

  1. Sem dúvida: quando passamos a beber coca cola foi a americanização. Quando compramos telemóveis nokia é a finfalização.. Mais uma vez Nélio não defendo nem praias amarelas (apesar de não gostar das de pedras), nem teleférico. O que defendo é que o discurso na Madeira está sujeito ao pensamento único que é o pensamento político, seja ele o do poder ou o da oposição ao poder que é também parte integrante do poder. Haverá por aí discurso que privilegie a verdade??? Qual é a vantagem de se dizer que as praias amarelas é canarização da Madeira? Isso é partir da premissa que a canarização é uma coisa má e a evitar. Conheci há uns 3 anos a Gran Canária e sem grandes dificuldades percebi que o nível de vida é de longe superior ao Madeirense, pelo que a canarização da Madeira até me parece ter contornos positivos para todos os madeirenses. Vá, falta aí o discurso que prime pela verdade, que seja argumentação e não manipulação.
    abraço

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  2. Viva.

    Aí está o desafio. Descortinar a realidade das coisas, separar o trigo do jóio, diferenciar o equlíbrio do desequilíbrio entre protecção da natureza e desenvolvimento económico-social sustentado.

    O desafio de desmontar discursos, a retórica, a camuflagem, o engodo, para vislumbrar as contradições e reais objectivos.

    A vantagem de denunciar a canarização ou canarialização por via de praias artificiais é, precisamente, para não comprometer o exotismo próprio e a autenticidade, factores essenciais à qualidade do Destino Madeira.

    Se queremos abrir mão do que nos caracteriza e copiar outro tipo de produto turístico, é um caminho possível, que o tempo provará ser errado. E ele tem sido seguido. Contudo, uma Madeira travestida, plástica, não interessa ao turismo de qualidade. Contradizem-se.

    As Canárias, pela sua natureza inóspita, teve de arranjar soluções. E muito bem. A Madeira foi afortunada, felizmente, com uma natureza exótica e exuberante, não precisava gastar milhões (construção e manutenção permanente) em artificialismos, em coisas postiças, em intervenções de cosmética.

    É um erro crasso concorrer com Canárias, um turismo massificado. São especialistas na área do turismo que o dizem.

    A canarização por via de praias falsas é um erro para a Madeira. Para Canárias não é. O que é verdade e certo para uma dada realidade não tem de o ser, necessariamente, para outra realidade bem diferente. Para a Madeira, a canarização é má, por isso, algo a evitar. Para Canárias é bom.

    Faz-me lembrar aqueles madeirenses que acham uma zona rural mais bonita porque já se parece com uma cidade...

    Canarizar a Madeira com praias artificiais não nos vai aproximar do nível de vida dos espanhóis de Canárias.

    Enfim, para o Rolando nada do que aqui é dito é argumentação... é tudo manipulação...

    Não estou ao nível do gosto pessoal de gostar ou não de praias de calhau. Opiniões e gostos cada um os tem diferentes.

    Dizer que toda a gente manipula e não diz a verdade é fácil afirmar. Evita o trabalho de contra-argumentar racionalmente.

    Por que não optou a Madeira por praias de areia preta, da sua própria areia? Porque não era artificial e não seria canarização suficiente para inebriar (encher o olho) dos madeirenses eleitores.

    Saudações.

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  3. Nélio,
    Eu não entendo nada de turismo nem do que é e não melhor para o futuro da Madeira. Mas entendo de argumentação. É a minha área profissional, aquela em que me formei e a que mais vou estudando. Isto não é puxar da cartola,mas quero só mostrar que não me sinto a vontade para discutir oq ue é e não melhor. Mas sinto a vontade para lhe mostrar quando um argumento é falacioso, ou pelo menos é construído com premissas discutíveis. Curiosamente existe uma falácia precisamente para explicar quando tomamos uma premissa discutível como se fosse verdadeira, mas, apesar da minha formação, não recordo o nome. Também falho :-) Bem, mas também creio que é oportuno dizer que há mais coisas que concordo com o Nélio do que aquelas que discordo.
    abraço

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  4. Viva.

    Em lugar de contra-argumentar diz-me que percebe de argumentação, que é o mesmo que chutar para canto, como se diz na gíria futebolística.

    Ao menos é preciso demonstrar que um dado argumento é falacioso ou em que termos ele se baseia em premissas falaciosas.

    Se vamos ao ponto de considerar que tudo é discutível, subjectivo e ou manipulatório, então não existem neste mundo humano premissas que não sejam, precisamente, discutíveis, subjectivas e ou falaciosas.

    Compreendo-o como exercício teórico, mas assumir tudo como discutível e relativo, por mais interessante que seja essa lucubração, não resolve nem contribui para resolver os problemas concretos que nos são colocados no dia-a-dia. Tomando posição em cima dos acontecimentos, argumentando a partir das evidências e dados disponíveis, correndo riscos de ter ou não razão.

    Não é preciso ser um expert em turismo para perceber certas coisas. Assim, só os experts poderiam entender o mundo.

    Opina-se sobre um assunto e às tantas diz-se que não se percebe nada do assunto? Por falta de boas premissas?

    Gostaria de saber qual é a premissa falaciosa da EVIDÊNCIA de, por exemplo, comparar a realidade de Canárias - caracterizada por uma natureza mais árida, em que teve de arranjar soluções, como as praias artificiais, para criar um Destino turístico - com a realidade da Madeira, bem diferente, já que foi afortunada, felizmente, com uma natureza exótica e exuberante. Daí não precisar de gastar milhões (construção e manutenção permanente) em artificialismos, em coisas postiças, em intervenções de cosmética.

    Não quer dizer que Canárias é mau e a Madeira é bom. São diferentes. Agora, querer umas Canárias na Madeira é uma premissa que carece de sustentação.

    A Madeira é um lugar estranho... surreal mesmo. E tende a piorar. Há coisas que, por mais surreais que sejam, são aceites como a ordem natural da coisas, com a maior naturalidade deste mundo.

    Daí também a febre das praias falsas e dos teleféricos para tornar a malta ainda mais escapista e alienada da realidade. Mais anestesiada.

    Pena que o conservadorismo insular da sociedade madeirense não dê para proteger (conservar...) melhor o património natural, sobre o qual assenta, na essência, o Turismo.

    Para derreter o exotismo e a autenticidade natural da ilha são muito "progressistas". Só nisso.

    Saudações sem falsas premissas:)

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  5. Percebo a argumentação do seu comentador mas a verdade é que quem não usar certos truques argumentativos não vai a lado nenhum! Não são os intelectualmente honestos que triunfam na vida! Às vezes é necessário fazer certos jogos de linguagem para sermos escutados!

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  6. Caro Nélio,
    Algumas das suas afirmações merecem a minha resposta:
    “Em lugar de contra-argumentar diz-me que percebe de argumentação, que é o mesmo que chutar para canto, como se diz na gíria futebolística.”
    A argumentação só surge para problemas que não podem ser resolvidos pela experiência ou via empírica. O problema que o Nélio colocou no seu comentário não se resolve argumentando: resolve-se com estudos de impacto turístico que nem eu nem o Nélio nem sei se alguém ou alguma instituição alguma vez os fizeram. Do mesmo modo se o Nélio afirmar que existe vida em Marte, de nada me vale argumentar para refutar a sua afirmação. Pelo contrário tenho de ir a Marte realmente verificar se existe ou não lá vida. Sobre o Rabaçal e a praia de areia comecei por refutar aquilo que somente pela argumentação pode ser refutado: o argumento estético. Aliás, tal como o fiz com o Magalhães. E só lhe mostrei uma coisa: que se quer atacar o Magalhães ou praias artificiais, que não é pelo argumento estético que racionalmente o consegue fazer. De outro modo mostrei também que a questão da autenticidade também está sujeita a argumentos. Finalmente mostrei que no plano ecológico o que existe para argumentar é o interesse moral de, por exemplo, outras espécies que eventualmente fiquem ameaçadas. Mas o Nélio nem vai muito por aí e baseou o seu argumento muito pelo argumento estético e da autenticidade.

    “Ao menos é preciso demonstrar que um dado argumento é falacioso ou em que termos ele se baseia em premissas falaciosas.”
    E foi precisamente isso que fiz. Não me diga que não percebeu?

    “Se vamos ao ponto de considerar que tudo é discutível, subjectivo e ou manipulatório, então não existem neste mundo humano premissas que não sejam, precisamente, discutíveis, subjectivas e ou falaciosas.”
    Ora aqui está uma boa falácia. Se tudo é relativo há pelo menos uma verdade que não é realtiva, precisamente aquela que afirma que tudo é relativo. Nélio, argumenta-se precisamente porque se procura objectividade e verdade no mundo. O Nélio está a falar como se no país ou na madeira existisse uma grande tradição da verdade, da honestidade intelectual e da discussão racional e que isso é uma grande chatice. Mas infelizmente não temos essa cultura da liberdade de perceber quando os problemas são realmente discutíveis e transformamos todas as possibilidades de discussão em algazarra infundada. Mas há algo que me parece plausível no que diz: não há no mundo premissas que não sejam discutíveis! Bem, há muitas, mas para estes problemas não há mesmo. O que há é argumentos mais fortes e outros menos fortes. O que há é saber distinguir verdade de manipulação. Mas do facto de a maior parte dos argumentos terem premissas discutíveis, não se segue que não existam consensos interessantes. A história da humanidade é isso mesmo. Tudo se faz em discussão. A ciência faz-se em discussão. Os argumentos que nos parecem melhores são aqueles que nos apresentam premissas mais plausíveis. Começei esta discussão consigo precisamente por gostar do que escreve e pensa e encontrar argumentos com premissas implausíveis, como o argumento da estética para o rabaçal. Claro que só existe argumentação se as pessoas estiverem psicologicamente preparadas para tal.

    “Compreendo-o como exercício teórico, mas assumir tudo como discutível e relativo, por mais interessante que seja essa lucubração, não resolve nem contribui para resolver os problemas concretos que nos são colocados no dia-a-dia. Tomando posição em cima dos acontecimentos, argumentando a partir das evidências e dados disponíveis, correndo riscos de ter ou não razão.”
    Pois, compreendo o que diz, mas não me parece que tenha razão. É precisamente pela prática de discussão activa e inteligente que é capaz de erguer uma melhor actuação no mundo. Aliás, nós estamos cheios de exemplos de querer fazer as coisas sem as compreender e depois sai a borrada que sai. A prática da discussão racional existe em desde a economia, à ciência, filosofia, ecologia, etc.

    “Não é preciso ser um expert em turismo para perceber certas coisas. Assim, só os experts poderiam entender o mundo.”
    Realmente nós portugueses temos defendido o que o Nélio aqui defende. E o Nélio que tanto combate a falta de qualidade na educação não devia defender isto deste modo. Por esta razão talvez é que qualquer besta no nosso país fala do que não sabe.

    “Opina-se sobre um assunto e às tantas diz-se que não se percebe nada do assunto? Por falta de boas premissas?”
    Não opinei sobre nada. Desmontei dois argumentos seus e quando o Nélio resolveu que poderia mexer nas questões mais técnicas eu disse-lhe que dessas, não sabia nada pois são aquelas que ultrapassam o domínio do meu possível contributo. Do mesmo modo aborrece-me que uma besta qualquer fale de argumentação sem algum dia ter estudado o mínimo que se exige para se saber um pouco do assunto. E do mesmo modo que não discuto mecânica automóvel com o mecânico do meu automóvel. Mas posso estar mais à vontade para discutir se é ou não moral usar o automóvel mesmo sabendo que poluo o ambiente. São dimensões distintas que exigem alguma interdisciplinaridade.

    “Gostaria de saber qual é a premissa falaciosa da EVIDÊNCIA de, por exemplo, comparar a realidade de Canárias - caracterizada por uma natureza mais árida, em que teve de arranjar soluções, como as praias artificiais, para criar um Destino turístico - com a realidade da Madeira, bem diferente, já que foi afortunada, felizmente, com uma natureza exótica e exuberante. Daí não precisar de gastar milhões (construção e manutenção permanente) em artificialismos, em coisas postiças, em intervenções de cosmética.”
    Primeiro vai ter de provar que é uma evidência. Para mim pode ser evidente que a paisagem do deserto é que é maravilhosa e a da Madeira um aborrecimento. Depois dou-lhe um contra exemplo: conheço dezenas de pessoas que não vem à Madeira precisamente por não ter praias de areia. Pelo que conheço das Canárias existem extensas e belíssimas praias de areia naturais. E existem as artificias! E convivem pacificamente ao ponto de nem se perceber muito bem quando são artificiais e quando são naturais.

    “Não quer dizer que Canárias é mau e a Madeira é bom. São diferentes. Agora, querer umas Canárias na Madeira é uma premissa que carece de sustentação.”
    Posso estar a errar, mas nunca ouvi que a ideia é fazer da Madeira as Canárias.

    “A Madeira é um lugar estranho... surreal mesmo. E tende a piorar. Há coisas que, por mais surreais que sejam, são aceites como a ordem natural da coisas, com a maior naturalidade deste mundo.”
    Para mim não é! É um lugar que não nada de mais surreal ou estranho que os outros lugares do mundo. Os madeirenses não são nem melhores nem piores que os outros. Aliás, para ser sincero não distingo o povo da Madeira dos restantes portugueses. Tem os mesmos hábitos, os mesmos vícios e as mesmas virtudes. Mas é verdade que esta tendência para ser dramático é muito portuguesa. E queixinhas também. Eu não tenho essa tendência, apesar de ser português. Talvez por ter lido o Eça de Queiroz de fio a pavio fiquei alerta, não sei, mas não subscrevo esse comportamento que se vê muito em quem faz oposição, inclusive o Nélio.

    “Daí também a febre das praias falsas e dos teleféricos para tornar a malta ainda mais escapista e alienada da realidade. Mais anestesiada.”
    Isto é pura teoria da conspiração. Isto é que é ser metafísico pimba!!!não existe razão alguma para se poder fazer uma afirmação destas. Mas isto faz-me lembrar um argumento interessante: quando vim para a Madeira estabilizei profissionalmente, dadas as condições profissionais aqui na ilha. Os meus amigos no continente usavam este argumento: “ah, eles dão-te trabalho que é para te manter calado”. Bem, lutei durante anos a fio para ter alguma segurança profissional. Consegui-a aqui na Madeira. Isso é mau? Claro que me mantenho calado. Vou reclamar de quê em relação à minha situação?? Ora bolas!! Se precisamos de um hospital e não temos é porque são todos uns filhos duma grande junta de vacas. Se o fazem é para nos calar.

    “Pena que o conservadorismo insular da sociedade madeirense não dê para proteger (conservar...) melhor o património natural, sobre o qual assenta, na essência, o Turismo.

    Para derreter o exotismo e a autenticidade natural da ilha são muito "progressistas". Só nisso.”
    Uma das marcas de Portugal e dos portugueses é a falta de cultura da liberdade. Não a temos. Um dos livrinhos que mais gostei na vida é o sobre a liberdade do Stuart Mill (ed.70). Nele me apercebi da nossa profunda falta de liberdade. Claro que temos um comportamento infantilizado, demasiado dependente do Estado pai. Achámos que os políticos tem de criar emprego, tem de fazer hospitais, tem de dar subsídios quando chove e quando faz sol, etc. Esta mentalidade tem aprofundado a nossa crise, as relações sociais, económicas etc. Basta ver na minha profissão: se algum colega diz como se deve fazer X vem logo ao de cima as invejas, as teorias da conspiração, explicações suterrâneas… mas se o Governo diz que a partir de agora todos os profissionais da área X vão ter de comer caganitas de pássaro ao pequeno almoço, toda a gente resmunga mas na hora H toda a gente corre a comer as suas caganitas. Grande parte do que há a fazer por e no Portugal, madeira incluindo, é das pessoas e não dos governos. Esperar que os governos decidam a nossa vida toda é que é do mais puro infantilismo subserviente.
    obrigado

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  7. Caro AMSF
    as pessoas não são intelectualmente honestas, não por culpa da argumentação, da lógica do raciocínio ou da discussão da verdade, mas pela sua dimensão psicologica e reduzida da verdade e da própria vida. A responsabilidade é a falta de liberdade das pessoas. Imagine que vai com uma boa argumentação ter com um toxicodependente para o convencer a deixar a droga. Ele aceita os seus argumentos mas não deixa a droga. Pode sempre pensar que os argumentos não servem para nada, mas lembre-se que a culpa não é dos argumentos. Argumentos sem disposição intelectual para os discutir não funcionam. Mas esta é também umas das marcas distintivas dos povos mais e menos civilizados. Ou não nota isso?
    abraço

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  8. Viva.
    Longe de mim querer resolver o problema com a minha leitura e tomada de posição como cidadão. Mesmo sem o pretensiosismo de querer resolver seja o que for, posso avançar argumentos. Por uma questão cívica pura.

    Nada garante que o problema apresentado seja resolvido por estudos, quando se sabe que há estudos que apenas se destinam a confirmar as decisões políticas. Quero dizer, os estudos procuram ir ao encontro das expectativas de quem os encomenda/paga ou da empreitada.

    Quantos estudos falaciosos usou Bush para suportar a decisão de invadir o Iraque? O mundo todo enganado por aquelas “provas”, que justificaram a guerra para a maioria, mas houve milhares de cidadãos por este mundo fora que, mesmo sem estudos, sem serem experts, argumentaram acertadamente face ao assunto.

    A Madeira não é Marte, é fácil verificar que a paisagem da nossa ilha é diferente de Canárias. Não é plausível? É preciso provar a evidência que Canárias é diferente da Madeira? Não é preciso um estudo científico. Não necessitamos que um expert o venha evidenciar como facto, mas é claro que quem quiser aprofundar a análise pode fazer um estudo científico, abrangendo a multiplicidade de variantes dessa realidade. Mas esses estudos não estão à mercê de qualquer um. O debate cívico não está esse nível, a não ser que as instituições facultem mais dados.

    De facto, para algumas pessoas, a paisagem da Madeira é um aborrecimento ao ponto de a canarizar. Quem não vem à Madeira por falta de praias de areia pode ir ao Porto Santo, ali mesmo ao lado. As praias falsas são uma desfeita e uma desvalorização da praia do Porto Santo…

    Quando um cidadão faz perguntas e responde às mesmas apoiando-se em evidências, em factos rigorosos, em argumentos consistentes, está a investigar.

    Os cidadãos podem e devem debater a Educação. Não me aborrece que «uma besta qualquer» fale sobre o assunto. Pode estar alguma verdade pelo meio. Não é assunto só para alguns. Quem trabalha na área, porque conhece mais o terreno, tem a vantagem de poder argumentar melhor. Há imensas pessoas, mesmo iletradas, que percebem que o trabalho, a atitude e a disciplina de quem aprende são basilares para o sucesso escolar, mas há muitos experts no mundo das teorias que não enxergam esta evidência. A solução está sempre noutro sítio qualquer, esquecendo-se a realidade e os contextos que temos à nossa frente.

    Por isso, «qualquer besta no nosso país falar do que não sabe», como diz, não é o mais dramático. O mais grave é quem decide não saber dos assuntos com a profundidade necessária.

    Disse, com toda a razão, C. R. ROGERS: «...Nem a Bíblia, nem os profetas - nem Freud, nem a investigação - nem as relações de Deus ou dos Homens - podem ganhar precedência relativamente à minha própria experiência directa.»

    O argumento estético é tão válido como outros e não significa que seja irracional, por ser mais ou menos subjectivo, mais ou menos determinante. O argumento estético é apenas um entre outros. No caso do Rabaçal é mais importante do que no Magalhães. Embora o impacto estético na paisagem seja importante, como provam as cautelas, quanto a esse aspecto, nas reacções de governantes e técnicos nos últimos tempos.

    É claro que a autenticidade depende dos conceitos e cultura de cada um e pode ser argumentada. Mas, mais uma vez, não vamos cair na falácia que os conceitos não têm valores consensualizados e minimamente cristalizados.

    Eu sei, por experiência, que o poder na Madeira, quanto percebe argumentos sólidos da outra parte geralmente promove uma algazarra ou batalha campal para não haver lugar a discussão ou racionalidade. Para vencer a tese de quem manda. Ummau exemplo. Não há cultura democrática ou liberdade a esse nível. E esses valores aprendem-se vivenciando-os e exercendo-os, no dia-a-dia. E há pouco espaço para os cidadãos o exercerem e aprenderem.

    Haver premissas discutíveis e implausíveis não impede o debate, a discussão, a argumentação. Concordo que é «pela prática de discussão activa e inteligente que é capaz de erguer uma melhor actuação no mundo». Mas essa discussão tem de assumir alguns valores minimamente consensuais na sua base. Ficar só a discutir premissas nunca mais se chega à fase de actuação na realidade.

    Não opinou sobre nada? Lembro-me de achar as praias de calhau feias… Quer fugir à discussão e ficar apenas pela discussão das premissas?

    Se não debate mecânica com o seu mecânico deveria fazê-lo. Fica mais vulnerável às burlas. Não se fique apenas pelas discussões teóricas se é moral ou não usar o automóvel? O mecânico não quer saber disso. Ele vive do uso (e abuso) dos automóveis. Também faz lembrar aquela expressão/postura de resignação sobre as decisões dos governantes na boca de muita gente submissa: “Eles é que sabem”.

    Não detecta diferenças culturais e de mentalidade entre os portugueses da Madeira e os portugueses de outras zonas do território? Aí está um belo tema para uma investigaçãozinha.

    Sobre o dramatismo português, não é assim tão mau pensando que nos deu o Fado, expressão que é um traço da nossa identidade. Todavia, penso que se confunde dramatismo com realismo. Ou melhor, o que é dramatismo?

    O queixume é outra música. É um defeito. Eu também li o Eça, felizmente. Queixas nas costas dos outros, no recato dos lares, mas que não saltam para os locais próprios. Contudo, quem está satisfeito (afirma: «claro que me mantenho calado. Vou reclamar de quê em relação à minha situação?? Ora bolas!!») com a acção dos poderes tende a ver quem protesta e age civicamente como uns “queixinhas” infundados, gente que está sempre insatisfeita, contra tudo o que fazem os srs governos.

    Eu estar bem não quer dizer que me vou aburguesar, conformar ou inibir-me de questionar, problematizar, reflectir, agir e intervir nos assuntos públicos que nos dizem a todos directamente respeito. E isso não significa fazer oposição política. É intervenção cívica. A política fica para os políticos.

    Quanto ao «infantilismo subserviente», plenamente de acordo. Mas, não nota umas doses mais fortes na Madeira? Será o mesmo onde tem existido sempre alternância política? Será que 30 anos com a mesmíssima maioria absoluta não resultou num acentuado infantilismo? Já se abordou aqui o tema noutra ocasião: http://olhodefogo.blogspot.com/2007/04/did-it-need-to-be-so-high.html

    Abraço.

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  9. Nélio,
    Obrigado pela sua resposta. Para já quero esclarecer somente um ou outro aspecto: em argumentação apresentar um contra exemplo não é apresentar um contra argumento ou sequer, uma opinião. Quando referi não gostar das praias de calhau apresentei um contra exemplo.
    Do facto de estar satisfeito com a minha situação profissional, daí não decorre que seja um carneirinho calado, oco e sem perspectiva crítica. Isso seria ver a realidade a preto e branco: ou estás connosco ou contra nós. Como sabemos, a realidade é colorida.
    Estou de acordo que a Madeira, por ser um espaço territorialmente pequeno está ausente de cosmopolitismo e mais sujeita a uma vida comezinha. Os políticos são assim e as pessoas também, até porque os políticos são pessoas. O que considero é que a política não é responsável por tudo. Isso faz-me lembrar os miúdos da vila onde nasci que se queixavam de não gostar de lá viver porque lá não se faz nada. Sempre embirrei com isso. Não é na vila que não se faz nada. São eles que não faziam nada. E quando me viam com uma caixa de sapatos cheia de cassetes que me chegavam de alguns cantos do mundo com discos gravados que iam dos Sonic Youth aos Residents, quando eu fazia uns programas numa rádio pirata que ajudei a fundar, a generalidade desses miúdos, então adolescentes, criticavam-me com uns bitaites como “eh pá, vives para as tuas cassetes”. Talvez isto possa esclarecer o que eu quis dizer.
    Não concordo com o Nélio num aspecto: o que nos faz mais falta não são conversas de café e chá das 5 para as tias do Golden discutirem a política regional, o ensino e a mecânica automóvel. O que nos faz mais falta, na Madeira e em Portugal é de capacidade criativa e inventiva. E é essa capacidade que nos vai deixar a saber discutir melhor, a sermos mais cultos. Sem dúvida que é importante que as pessoas se envolvam nos problemas, mas faz-nos muita, muita mesma, uma cultura sofisticada que substitua o pedantismo estéril académico que temos, que até mete nojo.
    Finalmente: O Nèlio não percebeu ainda um aspecto central quando argumentamos. Argumentamos precisamente porque acreditamos que existe uma verdade objectiva e valores mais cristalizados, para usar a sua expressão. Se eu não acreditasse nisso para que me daria ao trabalho de argumentar?
    Se quer o que penso, eu tenho a crença, como o Nélio de que se pode falar em autenticidade e que devemos manter a beleza natural da ilha da Madeira (não gosto de me banhar e ter de gramar os calhaus, é verdade, mas aprecio muito esta ilha que é um monumento natural), só que tenho consciência que não tenho ainda em minha posse todos os mecanismos de justificação da minha crença. Não somos donos da verdade. Se eu tivesse a verdade no bolso, oferecia-lha  Havemos de continuar.

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