«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, novembro 09, 2008

"Blindness" no Teatro Muncipal do Funchal (crónica)

O 4º Festival de Cinema do Funchal arrancou com a mostra do novo filme de Fernando Meirelles, Blindness ou Ensaio sobre a cegueira, baseado no romance com o mesmo título de José Saramago.

A casa esteve cheia e a procura justificou uma segunda sessão, não prevista, para o dia de hoje.

E o filme? Antes de mais, muito fiel ao livro no essencial, na substância da narrativa do escritor português.

É um filme que, a meu ver, expõe a natureza humana. Daquilo que é capaz o Homem em situações extremas e de sobrevivência. Não olha a meios: o civismo, a humanidade, a moral e o bem-comum são secundarizados e até olvidados. Ficam "cegos" para estes valores. A sobrevivência justifica até matar quem se aproveita da cegueira para explorar e desumanizar.

Por isso, a mulher do médico diz: "The only thing more terrifying than blindness is being the only one who can see." Isto é, estar consciente do que se está a passar. Os anestesiados, cegos e inconscientes não sofrem, não se arreliam.

Mesmo as pessoas civilizadas e educadas regressam aos seus instintos mais básicos e primitivos. Há um conflito ou tensão entre civilização e sobrevivência/poder, grupo e indivíduo, razão e emoção, moralidade e imoralidade, humanidade e desumanidade.

Neste sentido, faz lembrar muito a famosa narrativa Lord of the flies, de William Golding, também Nobel da Literatura. Esta obra teve duas adaptações ao cinema: Lord of the Flies (1963), realizado por Peter Brook e Lord of the Flies (1990), realizado por Harry Hook.

No entanto, a obra de Saramago deixa, no final, uma réstea de esperança, optimismo e redenção. O pessimismo realista do escritor português sobre a natureza humana, ao contrário de William Golding, deixa espaço para algum optimismo. Um optimismo reservado e limitado, porque se resume a um dos grupos de cegos.

Há cegos que, postos à prova pela cegueira branca, se tornam melhores, mais próximos, mais solidários, porque percebem que têm de contar com o grupo, a comunidade, com o outro, para sobreviverem e serem felizes.

O grupo de cegos protagonista do filme/livro passa como que a ver mais e melhor. A cegueira branca obriga-os a olhar para dentro de si, a valorizar outras coisas, a aproximarem-se dos outros seres humanos face à sua interdependência. A cegueira branca permite esquecer (não ver) diferenças de raça ou classe social, mas a ver o que é autêntico e mais valioso em cada ser humano.

No final, quando começam a recuperar a visão, a mesma mulher do médico, que nunca cegou, afirma algo do género: "I think I am going blind".

Ainda:
O Caderno de Saramago
Página oficial de Blindness

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