«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quinta-feira, julho 16, 2009

Professores de luto e em luta 171: Relatório da OCDE e avaliação do desempenho

Uma primeira leitura do relatório da OCDE sobre a avaliação do desempenho docente revela desde logo aspectos muito interessantes, que aqui destaco como incentivo para a leitura de todo o documento.

«Maria de Lurdes Rodrigues recusa suspender a avaliação, mas adia pela terceira vez a aplicação do modelo original», podemos ler no Expresso, no seguimento do relatório da OCDE sobre o polémico modelo de avaliação do desempenho dos professores portugueses. Alterações apenas com o próximo governo.

Apesar de reconhecer alguns méritos do actual modelo de avaliação e a sua necessidade (e a OCDE alinhar no corte de salários por via da avaliação, numa profissão em que os docentes têm a mesma função de ensinar, seja no início ou topo da carreira), o relatório da OCDE confirma as complexidades na sua implementação.

Por isso, se a sua implementação tivesse sido menos atabalhoada e previamente testada, sem a correria para cortar o salário aos professores, muito teria sido corrigido e, mais importante do que isso, ter-se-ia evitado tanta instabilidade e tensão nas escolas. Não se esqueça ainda que a implementação da avaliação foi precedida e acompanhada de um afrontamento e desvalorização pública dos docentes.

Neste sentido, esperemos que o Governo leia bem isto no relatório: «Teacher engagement and motivation is needed for successful school reform. Meaningful teacher evaluation and the resulting feedback, reflection and professional development will only happen if teachers are motivated to make it work.» Por aqui se percebe os danos causados pela atitude do actual Ministério da Educação. E fica a recomendação: «it is essential to find ways for teachers to identify with the goals and values of teacher evaluation arrangements and practices.»

Para já, os resultados escolares dos alunos e a avaliação feita pelos pais continuarão a não contar para a avaliação dos docentes e é praticamente certo que, na futura revisão do modelo, sejam mesmo eliminados como critério, já que foi essa uma das recomendações feitas pela OCDE. Afinal, os professores tinham as suas razões.

«Student results, drop-out and absentee rates for individual teacher evaluation» are «more relevant for whole-school evaluation». É óbvio, mas o Ministério da Educação/Governo queria tanto cortar na carreira que fizeram dos professores o bode-expiatório (responsabilizar individualmente cada docente) por todos os males da Educação. Se o aluno não trabalha, não estuda, não é reponsável nem disciplinado, o docente teria de fazer aparecer bons resultados por milagre... Quanto aos inquéritos aos pais, só o Governo não quis ver: «Parents’ surveys are more relevant for whole-school evaluation.»

Recomendam ainda a formação e integração de avaliadores externos no processo, a simplificação dos critérios e instrumentos de registo e definição de indicadores a nível nacional para serem utilizados em cada escola, a fim de se evitar injustiças.

Para a OCDE, o modelo concebido pelo Ministério da Educação peca por falhar na articulação entre dois objectivos distintos da avaliação: a melhoria profissional dos professores e a progressão na carreira. Sendo que os peritos da organização defendem processos diferentes para se conseguir esses dois propósitos. A nosso ver é algo essencial. E deveria-se privilegiar a avaliação para a melhoria profissional e não avaliação para o corte na carreira, porque aos alunos interessa melhores professores e não se progridem ou não na carreira. O modelo do ME não atendia a este aspecto porque o essencial era a avaliação para penalizar na carreira (operação de corte salarial). Relegou-se para segundo plano a melhoria efectiva da prática pedagógica.

Assim, a avaliação com vista ao desenvolvimento profissional dos professores deve ser feita no interior das escolas, que nem precisa de ser todos os anos, e resultando numa apreciação estritamente qualitativa e na elaboração de um plano de melhoria individual. E alertam para a problema da burocracia: «it would not need to be a heavy bureaucratic process.» Os recursos humanos da escola não podem ser substancialmente consumidos pela avaliação dos docentes. A missão da escola é ensinar e avaliar os estudantes.

«It is desirable to evaluate what is important in teaching and learning, not every bureaucratic obligation of a teacher. This objective should be reflected in the choice of both the evaluation criteria and instruments.» Aqui também errou muito o Ministério da Educação na avalanche burocrática que despoletaram nas escolas. Como diz o provérbio: «keep it simple stupid». Mas eles quiseram assim mesmo porque o objectivo do ME era obstaculizar a progessão na carreira e cortar nos salários. Quanto mais burocracia melhor para "quebrar a espinha" aos docentes...

Já a avaliação para a progressão na carreira deve basear-se num modelo mais "aligeirado do que o actual, com uma validação de elementos externos e critérios nacionais, para que haja justiça no conjunto de todas as escolas", afirmou Paulo Santiago, coordenador da equipa, acrescentando que não precisa de ser feita de dois em dois anos, como prevê a lei. Pode acontecer quando o docente perfaz o tempo no escalão e precisa de ser avaliado para aceder ao próximo. Poupam-se recursos e a avaliação é feita na mesma.

"Uma avaliação a nível de escola com consequências a nível nacional [a progressão na carreira] pode gerar uma percepção de desigualdade. Por isso tem de haver um avaliador externo e padrões e critérios de referências iguais para todos os estabelecimentos de ensino", afirma o especialista. Os professores avaliadores (externos), ao contrário do que prevê o actual modelo, devem ser compensados com redução de horário ou pagamento extra: «be compensated for carrying out their role (with teaching duties reduced or extra pay).» Pensava o Ministério da Educação que poderia avaliar 140 mil docente sem gastar?

É proposto que haja articulação entre a avaliação da escola e a do professor, o que terás as suas perversidades, pelo incentivo à deslocação dos (melhores) professores para as "melhores" escolas (melhores resultados). É mesmo proposto que o volume das quotas para as notas mais elevadas dependam dos resultados da escola, mais um incentivo à fuga dos docentes de umas escolas e procura de outras, sobretudo em meios social e culturalmente mais favoráveis (com população estudantil com melhor cultura escolar).

1 comentário:

  1. Muito bom, Nélio!
    E a associação das quotas aos resultados é também injusta porque à partida, os professores, por muito bons que sejam, não têm os mesmos resultados independentemente do meio social em que a escola está inserida, mas esse é com certeza outro motivo que fará os professores quererem deslocar-se!
    Parabéns!

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