«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, julho 19, 2009

No início foi o Walkman

O primeiro walkman comercializado foi o da Sony, há 30 anos. Esta data comemorativa é um bom pretexto para recordar o meu percurso enquanto melómano e "audiófilo" (logo se perceberá o porquê das aspas no segundo conceito): do walkman à aparelhagem a sério.

«O primeiro modelo do mais popular leitor portátil de cassetes chegou às lojas há 30 anos. O aparelho era azul e cinzento – e substancialmente maior do que qualquer moderno leitor de áudio», deu conta o Público.

O meu primeiro (e único) walkman, responsável por me lançar nas primeiras experiências significativas com o audio e a música, foi comprado em 1986, meia-dúzia de anos após a sua chegada ao mercado, graças aos primeiros salários. Não era um Sony. A marca Aiwa vem à cabeça, mas não sei. O mais certo era ser uma marca asiática qualquer mais barata. Não posso jurar, nem confirmar porque não sei o que foi feito dele.

Viajou comigo para a Inglaterra nesse ano. Acompanhou novas experiências musicais, incluindo Bob Marley, U2 e Pink Floyd. A seguir, em 1987, evolui para um stereo (rádio e leitor de cassetes) da Panasonic (modelo RX-FW20L) e, no ano seguinte, comprei um pequeno giradiscos Marantz, que ouvia ligado ao stereo japonês.

Depois, talvez já em 1989, veio o amplificador PM25 da Marantz e umas colunas de som Jamo. No final desse ano, um leitor de CDs CDP 228ESD da Sony, uma bomba na época. A primeira aparelhagem estava formada para os próximos dez anos. Veio o rock pesado depois de dois anos a orbitar à volta de Pink Floyd. Talvez em 1990, adquiri um leitor/gravador de cassetes, o Aiwa AD F880, que hoje já não funciona.

Em 1998, com o retomar da vida de assalariado, após a universidade, dei o salto, sem consciência na altura, para a audiofilia, com o amplificador a válvulas Audio Note Oto e as colunas de som Sonus Faber Concerto, que são de suporte. Na altura, as Jamo tinham ido à vida e tinha umas pequenas Mission 760i, também colunas de suporte. Eram melhores no grave.

Apesar das minhas preferências musicais dentro do rock e heavy metal, não tive a clarividência de perceber, nas demonstrações, que o som de qualidade audiófila não servia. Não valorizei determinados sinais e percepções, como a presença no "treble". Pensava então que mais e melhor som era igual a mais musicalidade e fruição melómana, como vende a indústria e a audiofilia. Estava bem enganado.

Além disso, o vendedor sublinhou a capacidade do grave da coluna, apesar de ser de suporte, e a sua adaptabilidade ao espaço a que se destinava. Desaconselhou colunas de chão. Além do mais, as Sonus Faber Concerto eram e são muito bonitas. Foram vários factores que determinaram a escolha.

Percebo, agora, que o aconselhamento audiófilo da loja Viasónica, em Lisboa, na escolha de colunas e amplificador, há onze anos, partiu de premissas erradas. Lá me venderam os dois componentes e depois fui percebendo que o som era, tecnicamente, demasiado "bom" para rock. Transparência, refinamento, detalhe, presença e recorte que me fizeram ouvir e apreciar outros géneros musicais (world music ou jazz), mas essa superioridade técnica do som condicionava a musicalidade (som quente e cheio, com o grave encorpado e o "treble" velado e recuado) necessária ao rock.

Pelo caminho, depois de ter feito a necessária aprendizagem e ganhado clarividência na matéria, abandonei logo o Audio Note Oto em favor do amplificador MA240 e o pré-amplificador da Myryad. Ganhei mais controlo sobre a coluna devido à maior quantidade de corrente. Para ganhar algum grave ainda comprei um subwoofer da REL (Strata III). As Sonus Faber Concerto eram colunas de suporte.

O pré-amplificador da Myryad continuava a ser ainda demasiado audiófilo para os meus ouvidos sensíveis ao "treble". Em 2002, o som mais quente e velado do Rega Cursa tornou-se o companheiro ideal para o "power" da Myryad. O leitor de CDs da Sony, com treze anos de uso, já com a gaveta a funcionar mal, passou à história com a chegada do excelente Rega Planet. A qualidade dos leitores de CDs tinha evoluído muito.

Antes da escolha acertada pelo Rega Planet, que continua a ser muito apreciado e válido, ainda cheguei a experimentar o MCD 200 da Myryad, mas não era o que procurava. Da Myryad ficou mesmo o power amplifier MA240, um coração de leão, com ataque e dinâmica, que custou 350 contos. Na altura, a escolha da amplificação fez-se entre a Myryad e a Musical Fidelity.

Gostava (e gosto) das Sonus Faber Concerto pela suavidade do som, mas acabei, onze anos depois, sem planear muito, num ímpeto, por abandoná-las em favor de umas colunas de som Monitor Audio Silver RS6, mais modestas (apenas tecnicamente, isto é, do ponto de vista audiófilo) mas superiores em termos musicais, tal como o Myryad MA240 relativamente ao Audio Note Oto: som quente e cheio, com o grave encorpado e o "treble" velado e recuado. Permitem horas infinitas a ouvir música sem cansar. As Monitor Audio foram uma surpresa para mim. Do ponto de vista musical. Não falo em termos audiófilos.

O facto das inglesas Monitor Audio Silver RS6 serem colunas de chão deram outro corpo e profundidade ao grave, essencial para o rock e para um basshead como eu. Apesar dos generosos graves, não me consegui separar do subwoofer da REL, um fiel e aconchegante companheiro, para dar aquele calor telúrico dos 20Hz para baixo.

Outro fiel companheiro, desde há onze anos, tem sido o cabo de coluna Wave Guide 8" da americana Straight Wire. É o único componente, para além dos interconectores, que é americano. O restante é inglês. A cultura musical destes países reflecte-se na qualidade do audio. Uma coisa está ligada à outra.

O cabo de coluna Wave Guide 8" da Straight Wire foi-me sugerido na compra das Sonus Faber Concerto e do Audio Note Oto, como ponto de partida, pelos audiófilos da loja Viasónica, em 1998. Por acaso, foi a melhor sugestão do vendedor, que continuo a agradecer, porque é o nível certo para eu estar, com qualidade, mas sem colocar o pé na audiofilia. O resto da aparelhagem anda agora nesse nível e a musicalidade está assegurada.

Por isso, nos últimos tempos, tenho estado a fazer downgrading em vez de upgrading. Ou dito de outra forma, downgrading audiófilo e upgrading musical.

Tenho experimentado cabos de coluna das famosas marcas americanas Nordost e Kimber, mas quanto mais subo na qualidade (e preço) pior soa do ponto de vista musical, apesar de soar melhor do ponto de vista audiófilo/técnico: transparência, detalhe, precisão, dinâmica, neutralidade, recorte, entre outros atributos. Vou experimentar em breve o mais barato da Kimber, ao nível do Straight Wire que tenho, bem como o Duet (evolução do Wave Guide 8") da mesma Straight Wire, modelo que já não é produzido.

Mais musicalidade é igual a mais tempo a ouvir música, bem como mais compra de discos (música) e menos investimento no hardware (aparelhagem). A aparelhagem existe para servir a fruição de música pelo melómano. Nunca se deve inverter essa prioridade. Quando a música se torna num pretexto para o audiófilo ouvir a aparelhagem, lixou-se a música, a musicalidade, o melómano. Entra-se numa caminhada em busca de algo que não existe.

Mais transparência e detalhe pode significar mais realismo acústico, mas recorte e precisão audiófilas podem significar um som mais maquinal, neutral, árido e asséptico, isto é, com menor realismo. O demasiado recorte e exactidão, por exemplo, não soa natural/realista porque tudo soa demasiado maquinal e perfeito. Compreendo o desafio e fascínio técnicos, mas assegurar a musicalidade é o valor essencial. A imperfeição faz parte da condição humana. A perfeição soa sempre pouco natural ou realista.

Acredito no high end musical, não audiófilo.

Recorde-se:
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