Photo copyright
Para quem, grosso modo, ouve rock, é preciso ter cuidado com as aparelhagens no sector do denominado high end, isto é, equipamentos de elevado apuramento técnico, que buscam o som mais realista possível, isto é, o mais próximo da gravação original. Teoricamente, faz sentido o mais e o melhor. Na prática, não é bem assim.
Quem ouve rock (não rock pop), geral e felizmente, não é audiófilo e não é comum ter poder de compra para o high end. Contudo, começa a haver equipamentos de elevada qualidade, em termos audiófilos, a preços mais "acessíveis", na ordem das 3 ou 4 centenas de contos, sem atingir a brutalidade dos milhares de contos.
É possível gastar-se 20 ou 30 mil contos numa aparelhagem. Não faz, a meu ver, qualquer sentido, mas há mercado. Desconfio que a música não seja a principal motivação.
Os amplificadores da americana NU FORCE são um high end a preços não high end, graças a uma tecnologia diferente, a que denominam amplificação de classe D. Parece não ter a ver com digital. Tive ocasião de os experimentar durante quase duas semanas, em casa. Chega-se a um ponto em que é preciso experimentar no nosso próprio ambiente e inserido no resto da aparelhagem.
Os monoblocos NU FORCE Ref 9 quase me enganavam ou convenciam, como se queira colocar, sobretudo devido à sua suavidade, que escondeu ou disfarçou a (demasiada, para mim)transparência ou frontalidade nos médios-agudos. Foi preciso chegar a um álbum da mesma nacionalidade dos NU FORCE para as dúvidas ficarem definitivamente esclarecidas. Um mano a mano com vantagem para a música (e não é assim que tem de ser?).
Num sentido prático, são demasiado bons para ouvir determinados géneros musicais. Ao ponto de terem uma transparência, frontalidade e presença na gama média-aguda que induz fadiga precoce no ouvinte (melómano). Claramente. Este é um dos grandes problemas do puro som audiófilo ou high end.
Passadas três ou quatro faixas do Animositisomina (2003) de MINISTRY apetecia sair da sala. Não apetecia. Era-se empurrado para fora da sala. O cérebro cansou-se rápida e precocemente. E ainda assim estava a retirar algum ganho nos 15kHz, note-se, através de um X-Tone da Musical Fidelity. Senão, ainda era mais duro (impossível) ouvir. Com o MYRYAD não preciso utilizar o X-Tone, aparelho que serve também para tornar mais tragável (amenizado) o som audiófilo agudo... Isto apesar de os NU FORCE serem suaves, como já se disse.
E fui aos outros discos de MINISTRY, com o mesmo tipo de médios e agudos saturados. Houses of the molé (2004) e Rio Grande Blood (2006) são igualmente abrasadores e frontais. Só os álbuns Psalm 69 (1992) e o mais recente The last sucker (2007) soam menos frontais, com um som mais velado e redondo (musical), na tal gama de frequência tão sensível para o ouvido humano.
Não houve outra solução senão empacotar e devolver à loja estes NU FORCE de demonstração. Até com uma certa desilusão devido à confirmação da incompatibilidade entre high end e rock pesado, que é gravado para ouvir de uma certa maneira.
Coloquei o amplificador MYRYAD, não high end, de volta à aparelhagem e voilá, o som musical de volta, mais velado e menos transparente, com graves menos profundos ou delineados (recortados), mas mais encorpados (musicais), com o qual se pode ouvir música durante horas seguidas sem induzir fadiga precoce ou irritabilidade. É transparente e detalhado quando baste. Sem ser demasiado presente ou agredir. O melómano entra em transe. O audiófilo recua (e não é assim que tem de ser?) e deixa de fazer "ruído" à fruição da música.
Em termos absolutos, em termos técnicos e estéticos, o MYRYAD MA240 perde para os NU FORCE Ref9, mas a aparelhagem é um meio e não um fim. Não se pode ultrapassar o limite crítico de a audiofilia interferir com a degustação musical do melómano. Gasta-se dinheiro e fica-se pior. Investir em discos é muito mais recompensador e lucrativo.
Não era novidade para mim, mas quis tirar as dúvidas. Levar as coisas ao perigoso limite, andar no fio da navalha. Inicialmente, os NU FORCE pareciam mais suaves do que o MYRYAD e até perdoavam as gravações mais cruas e de menor qualidade. Confundiram-me durante dias devido a emoções contraditórias que provocavam. Mas, a música dos MINISTRY foi implacável.
No entanto, os NU FORCE são o céu de um audiófilo, a preços imbatíveis. Tem a ver com a forma de ouvir música de cada um. Prefiro ouvir mais música do que ter um som high end.
Os graves são o prato forte dos NU FORCE. Definidos, precisos, rápidos, com grande impacto. Os TOOL são uma banda que, pela sua música maquinal, soam muito bem neles. Mas, não se pode passar a vida a ouvir TOOL, PINK FLOYD, música clássica ou acústica.
A experiência serviu para valorizar a amplificação que tenho e saber bem onde quero estar: logo abaixo do high end.
O único aspecto da aparelhagem em que acho que vale a pena apostar no high end será nas colunas. Desde que tenham o som (e o preço) ao nosso gosto. Desde que não tenham sido concebidas só para ouvir jazz ou música clássica. Evitar as colunas de topo, mais refinadas das marcas. Mesmo com um amplificador e fontes mais modestas, as boas colunas tocam bem. Dão o que lá se mete. Nunca me arrependi da aposta nas Sonus Faber Concerto há onze anos. Uma coluna (monitora na altura) de entrada, a mais modesta, a menos high end da marca.
O som de uma aparelhagem depende muito da sinergia entre as fontes, a amplificação e as colunas. Os cabos de ligação e interligação ajudam a limar e a esculpir o som, neste ou naquele sentido.
Primeiro escolher as colunas (a voz da aparelhagem). Depois experimentar diferentes amplificadores (integrados ou pré-amplificador e amplificador separados, para maior versatilidade de combinações). A amplificação é o coração da aparelhagem e molda muito o som. Finalmente, escolher as fontes, com as colunas e a amplificação já seleccionadas. Utilizando sempre a música que estamos habituados a ouvir nessas audições.
A audiofilia tem até, culturalmente, pouco a ver comigo. A audiofilia high end é um campo árido, clínico, de exercício abstracto, que ajuda, inclusive, a alimentar uma indústria e a busca incessante da perfeição. Mas, no final do dia, cada um tem de saber o que quer. Melhor e mais caro não quer dizer absolutamente nada nestas coisas, um campo de uma subjectividade muito forte.
Pena a NU FORCE não apostar no segmento logo abaixo do high end. Sou capaz de lhes mandar um email a sugeri-lo. Com um som mais filtrado e velado nos médios e agudos seriam o meu Santo Graal. Assim, confirmo que o Santo Graal não existe mesmo. Isto é, é o som que tenho neste momento, nada mais.
A crítica audiófila é unânime sobre os atributos dos NU FORCE. Há um unanimismo que deve deixar logo uma pessoa de pé atrás, em especial se o melómano não busca o som audiófilo, está claro. A sua audição foi um desafio interessante.
Uma boa aparelhagem é aquela que estimula a paixão pela música. Aumenta o prazer em ouvir música. Quando obstaculiza a fruição da música, é tempo de parar, simplesmente, ou de parar e repensar o caminho.
A recordar:
Audio e o Santo Graal / Audio and The Holy Grail
Melomania e audiofilia, uma relação de equilíbrio
Sem comentários:
Enviar um comentário