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Embora para os professores seja mais importante as linhas programáticas dos partidos políticos com possibilidade de serem governo e, por conseguinte, colocarem em prática as suas medidas/promessas para a Educação, não deixamos de aqui dar conta dos compromissos eleitorais dos chamados partidos de contestação. Entre eles o programa eleitoral do BE (página 33). Curioso notar que o programa do PSD tem 39 páginas e o do BE 110 páginas.
Sob o título, «combater o défice do atraso com a Educação», o BE dá conta das suas ideias para este sector. Muitas dessas ideias são bonitas e ideologicamente estimulantes (o meu lado idealista agradece), mas enfermam de um claro irrealismo e condescendência no que toca à educação das crianças e jovens (vide notas finais deste post), como se vivessemos num mundo perfeito e fosse possível criar o aluno ideal e uma sociedade utópica. Passamos por cima do irrealismo (é fácil ennunciar princípios sem dizer como os concretizar na quotidiano)e destacamos as seguintes passagens:
«À multifuncionarização que vem recaindo sobre professores e professoras, à angústia das escolas às quais se pedem todos os milagres sem nada em troca, este governo acrescentou a liquidação de todos os resquícios de partilha e cultura colectiva, esvaziando a componente intelectual e a autonomia necessária do trabalho docente em troca da sua disciplina e desejada obediência acrítica.»
«Temos que dignificar as condições de exercício dos profissionais da escola.» [Falta dizer como. Por acaso a autoridade é um dos ingredientes?]
«A humilhação de professores e professoras, exibidos como o bode expiatório e verdadeiros culpados dos atrasos e do desinvestimento, foi acompanhada da degradação intencional das suas condições de trabalho, de um modelo de avaliação construído para impedir o acesso ao topo da carreira de uma larga maioria, assente na fractura administrativa da mesma, entre professores de primeira e de segunda. A divisão arbitrária e incompetente entre professores titulares e não titulares foi um dos mais duros golpes na escola pública, e a avaliação é a sua sequela. Mas não foi o único. Desregulação das relações de trabalho e precarização foram o lema. Aumento do horário de trabalho, exploração indigna de professores de Actividades de Enriquecimento Curricular, Novas Oportunidades, profissionais experientes e qualificados enxotados para reformas humilhantes, estas são as heranças do governo Sócrates.»
O BE «bater-se-á até ao fim pela dignidade de todos os profissionais de educação e contra todos os pontos lesivos do Estatuto da Carreira Docente, na certeza de que sem profissionais motivados e reflexivos não há qualidade de aprendizagens, com claro prejuízo para as crianças e jovens e para as suas famílias e com agravamento do
atraso do país.»
«O Bloco de Esquerda compromete-se na defesa:
• da estabilidade profissional e contra a precarização;
• do fim da fractura entre professores de primeira e de segunda, sublinhada como um dos ataques mais lesivos da escola pública e que não foi fundada nem em critérios de qualidade nem em conteúdos funcionais diferenciáveis;
• por uma avaliação credível, que se inicia pelas escolas em contexto, alia vertentes internas e externas, e assuma a responsabilidade colectiva do trabalho docente;
• por um horário de trabalho que reconheça o aumento do tempo de qualidade para todo o trabalho docente vergonhosamente silenciado, e para dar resposta às exigências de mudança na escola pública;
• pela componente colectiva do trabalho docente como uma das vertentes mais positivas da sua actividade e como um dos aspectos que mais conteúdo dão à relação com os alunos/as.»
«O Estado deve assumir como prioridade absoluta o alargamento da rede de educação para a infância a todas as crianças com quatro anos de idade.»
«Equipas multidisciplinares de combate ao abandono e insucesso escolar. Defendemos a criação de pequenas equipas multidisciplinares – compostas por professores, psicólogos, técnicos de serviço social e mediadores culturais – capazes de promover o acompanhamento personalizado dos alunos sinalizados como estando em risco de abandono e/ou insucesso escolar. Estas equipas respondem ao contexto social de cada escola e trabalham com diferentes instituições da comunidade.» [Concordo desde que não se pretenda que estas equipas resolvam o insucesso escolar sem exigir o necessário trabalho, disciplina e responsabilidade que o estudante tem de pôr em prática no seu processo de aprendizagem.]
«Uma reorganização curricular que permita redução do número de disciplinas e a redução da excessiva carga horária imposta aos alunos.»
«Limitação do número de alunos/as por turma, nomeadamente nas escolas sobrelotadas (20 no máximo para o 1.º ciclo e 22 para os demais).»
«As novas tecnologias não resolvem problemas básicos da aprendizagem e do combate ao insucesso escolar. O seu papel é relevante para quem não disponha de bibliotecas familiares e é uma fonte de informação utilizada com prazer pela maioria (ao contrário do que sucede com o recurso ao livro). Em contrapartida, pode promover facilitismo no ensino. As novas tecnologias não substituem a aprendizagem por outras vias, como a leitura, e não asseguram, por si só, a formação de uma consciência crítica. A escola, na diversidade da sua actividade, é que garante essa aprendizagem.»
«É certo que o aparelhismo burocrático do Ministério da Educação exige a descentralização. Mas a aposta do ME não está na descentralização, antes numa municipalização obediente e permissiva, com os riscos decorrentes de um modelo que, em Inglaterra, por exemplo, já mostrou o que valia.O Bloco de Esquerda denunciará e combaterá a territorialização político-partidária das escolas e as tentações autoritárias e privatistas dela decorrentes. Exemplos como os do director de uma escola de Fafe que demite arbitrariamente um coordenador vão-se multiplicar. Directores de escolas ao serviço de presidentes de câmara é
o ensejo reformista por concluir. O risco de partidarização total da gestão das escolas públicas é hoje, com este modelo de gestão escolar e municipalização de competência, um risco real. O reforço da autonomia e responsabilidade das instituições é a alternativa.»
NOTAS:
O BE não quer o ensino profissional seja uma «oferta do sistema como solução para o insucesso», porque «as desigualdades de partida reproduzem-se», mas não diz nada como assegurar nas escolas as condições de ensino-aprendizagem para que as tais classes menos privilegiadas, social e culturalmente, valorizem mais a escola, o saber, o trabalho, a disciplina e a responsabilidade individual de cada qual no seu percurso escolar. Uma escola que não exige trabalho, disciplina e responsabilidade ao estudante está a criar exclusão, porque há uma boa parte dos alunos, social e culturalmente desfavorecidos, cuja única oportunidade de mobilidade e ascensão social é a escola. Se não trabalha e não se esforça, não acontecem aprendizagens significativas.
O facilitismo das passagens administrativas e dos diplomas sem corresponderem a conhecimentos e competências efectivas é um logro, que nada tem a ver com qualificação séria nem com uma «escola de qualidade [que] deve ter a inclusão como objectivo essencial.». O discurso paternalista do coitadinho, por isto ou por aquilo, conduz à inércia e à fácil responsabilização de terceiros (sociedade) por todos os males individuais. Quem é socialmente desfavorecido deve ser apoiado na escola, mas não pode ser dispensado de trabalhar, de ter disciplina e civismo, de ser responsável. Pobreza não legitima a indisciplina, a violência ou a ausência de trabalho, esforço e estudo. Pelo contrário, estes estudantes têm de redobrar o seu esforço para recuperar das desvantagens de partida relativamente a outros estudantes. Se nem trabalho se exige nem querem, depois não se queixem que vão cair nas «escolas que “tomam conta” das crianças e dos jovens» e não nas que estão «vocacionadas para a “aprendizagem”.» Como refere ainda o BE, as «primeiras são “escolas do saber”, destinadas a estudantes padrão; as segundas são “escolas do fazer”, para estudantes com contextos sociais e culturais desfavorecidos.» É preciso fazer pela vida e aproveitar os apoios que são concedidos para evoluir socialmente.
O BE não utiliza a palavra autoridade, como se tivesse uma conotação negativa (autoritarismo) devido aos complexos ideológicos de uma certa esquerda. Não se consegue, dizemos nós, sem trabalho, disciplina e responsabilidade por parte do estudante, melhorar os níveis de sucesso escolar nem dignificar as condições de exercício dos profissionais da escola, que o BE defende.
O BE quer que o sistema de ensino combata as «disigualdades sociais e culturais de partida» (página 34) mas depois deve pensar que isso acontece por milagre, sem disciplina, sem trabalho e reponsabilidade dos estudantes. Os professores estão cansados da já referida teoria do coitadinho. A melhor inclusão e contributo para a mobilidade social são o trabalho, a disciplina e a responsabilidade individuais, contando com apoios sociais e socio-afectivos disponíveis na escola, para que se diluam as «desigualdades de partida» e se contribua para a igualdade de oportunidades. Sou totalmente favorável. Já não sei o que se entende por «projecto pedagógico criativo e libertador». A pedagogia é importante mas não substitui o trabalho, a disciplina e a responsabilidade do estudante. É tão ilusório pensar o contrário como acreditar nas estatíticas pré-eleitorais do governo de José Sócrates sobre o sucesso escolar.
Como o BE, também vejo a escola como um pólo da comunidade, com vocação e funções sociais, mas não vamos exigir à escola aquilo que ela não pode dar. Aquele partido defende a escola como «espaço público em torno de três vocações centrais: educar os jovens e as crianças; apoiar as famílias nas suas necessidades; e valorizar a articulação com as dinâmicas comunitárias e de formação ao longo da vida.» Então a principal função e vocação da escola não é ensinar/transmitir conhecimento/desenvolver competências/ensinar a pensar? A educação não é vocação e função da família? A escola é um complemento nessa educação pessoal.
A escola deve oferecer «actividades lúdicas que permitam à escola servir de apoio às famílias»? É esta a vocação da escola? Ser espaço de entretenimento e depósito de crianças e jovens? A escola adaptar-se aos «horários de trabalho dos pais e das mães»? Não se deveria antes pensar-se em alternativas mais adequadas, envolvendo clubes desportivos, associações culturais, escolas de música, ATLs, entre outros. A escola pública e o governo não têm de regular a vida toda das crianças e interná-las na escola. Só falta saírem da escola com banho tomado e de pijama.
O BE defende o fim das reprovações por ano de escolaridade. É um bom princípio. Mas, é preciso condições e alternativas. Se o estudante não trabalha, não se esforça, é indisciplinado e irresponsável, não tem os conhecimentos/competências mínimas, vamos fazê-lo transitar de ano com que propósito? Para ele sentir mais dificuldades no ano escolar seguinte?
Existem «estudos que demonstram que as crianças e jovens pouco ou nada ganham com a acumulação de retenções para além da quebra de auto-estima». Qual é a alternativa? Transitar sem saber? Não. Primeiro, as premissas de trabalho, disciplina e responsabilidade deveriam ser exigidas ao estudante. Uma certa esquerda pensa que isto não importa e toca a colocar o ónus na pedagogia (varinha de condão para transformar alunos preguiçosos, indisciplinados e irresponsáveis em estudantes de sucesso) ou na sociedade, essa causadora de todos os males. Pois, o BE está mais procupado com a «auto-estima» dos estudantes... repare-se que nem fala de auto-confiança, que é baseada e se fundamenta em alguma coisa, no trabalho e no esforço, por exemplo. O BE poderia propor que os alunos com nível negativo nas línguas ou na Matemática teriam de ficar nas férias na escola a recuperar essas notas para poder transitar sem o facilitismo e laxismo que se promove actualmente, ao deixar o estudante avançar sem conhecimentos mínimos em várias disciplinas nucleares. Será isto inclusão? Uma falsa inclusão.
Recorde-se:
Educação > Legislativas 2009 > PSD
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