Avatar tem um companheiro natural (e obrigatório) no filme Baraka, sem esquecer a trilogia Qatsi.
Após passar as semanas de correria ao filme, fui ver AVATAR. Embora as muitas expectactivas geradas, elas foram superadas.
James Cameron oferece-nos um mundo para além da nossa imaginação, com uma beleza exuberante, ao mesmo tempo que nos fala de valores fundamentais da Humanidade, que a sociedade actual (alienada) esqueceu em parte.
Aqui entra a sugestão para o visonamento do filme Baraka, pessoalmente um dos filmes mais marcantes de sempre, recentemente restorado e reeditado em DVD e Blu-Ray (mostra alguns dos melhores e piores aspectos da relação natureza - vida humana), como ainda da trilogia Qatsi: Koyaanisqatsi, Powaqqatsi e Naqoyqatsi («we do not live with nature any longer; we live above it, off of it as it were; nature has become the resource to keep this artificial or new nature alive»).
A história (enredo) não é original, inovadora ou revolucionária no seu todo, mas não será o mais importante no cinema: a forma como tudo é contado faz a diferença (efeito de verosimilhança e efeito dramático). O misticismo ou a ecologia são temas há muito abordados, é verdade, mas a pertinência resultante da actualidade dessa temática e a forma como é abordada (combinada) conferem profundidade e densidade dramática ao filme. Avatar é resultado do cruzamento de um humano com os "aliens", os humanoids de Pandora. Nasce um ser superior, melhor.
E o filme nem vale sobretudo pelos efeitos especiais, como opinam alguns, que são óptimos, com os 3D a transportar-nos mais para dentro da tela (concorrente para o tal efeito de verosimilhança), a acentuar a magnitude e exuberância das imagens, mas já existem outros filmes com excelentes efeitos especiais.
A mensagem ecológica é central. A natureza exuberante do planeta Pandora faz lembrar as florestas tropicais que estamos a destruir a grande velocidade na Terra. Em nome do Equilíbrio natural, da existência pacífica e em harmonia com a Natureza, o antes humano Avatar toma o partido do povo Na'vi, apresentado como povo superior pelos valores que abraçam. Ao ponto do protagonista trair a sua própria raça, como o acusa o coronel, no final. Diz Jake Sully/Avatar: «There's no green there. They killed their Mother, and they're gonna do the same thing here.»
Não é apenas nem sobretudo pela relação afectiva individual com uma "alien" (Avatar não é uma história de amor - não é o Titanic 2) que o protagonista trai a sua raça. É pelo colectivo e pelos valores que tem esse colectivo. À volta dos valores nunca nos enganamos e mantemos o Equilíbrio.
A riqueza ("império") dos Na'vi é de ordem natural e espiritual e não feita de metais preciosos arrancados à natureza para satisfação individual momentânea ou para fazer obra (através da qual os homens procuram ganhar a imortalidade). Este povo representa o bem e os humanos o mal.
A sobrevivência e a felicidade acontecem em harmonia com a natureza e não a destruindo, em nome do lucro, para extrair riquezas naturais. Neytiri, a companheira do Avatar, diz: «Our great mother Eywa does not take sides, Jake; only protects the balance of life.» É por este valor superior que Jake (Avatar) vai lutar ao lado dos humanoids, a fim de evitar a destruição da Mãe natureza pela mão dos humanos, como o fizeram na Terra. Estamos em 2154.
O humanos são mais fortes do ponto de vista do seu poderio bélico, mas os Na'vi são mais fortes ecológica e espiritualmente, em que os seres vivos vivem todos em harmonia com a natureza. Há uma luta entre valores materiais (humanos) e valores ecológicos e espirituais (nativos de Pandora). É significativo que o povo de Pandora viva numa grande árvore (Hometree), que é o primeiro alvo do plano de destruição pelos humanos. A queda desse santuário representa a queda da natureza na Terra.
No final, ao expulsarem os humanos de Pandora, depois de vencerem o seu poder bélico, o agora nativo Jake Sully afirma: «The aliens went back to their dying home.»
Os humanos passam a ser os "aliens". O Homem é ganancioso e não olha a meios para atingir os seus fins materiais (Selfridge diz: «This is why we're here: because this little gray rock sells for twenty million a kilo»). Os militares estão ao serviço das corporações para extorquir recursos naturais, neste caso para servir de fonte de energia à Terra (recorde-se a guerra pelo petróleo no Iraque).
Jake Sully (Avatar) pensava que como guerreiro faria a paz (definitiva) mas a realidade não será bem essa. Teve de fazer a guerra ao lado dos nativos de Pandora. «I was a warrior who dreamed he could bring peace. Sooner or later though, you always have to wake up.»
Isto leva-nos ao facto de o povo Na'vi ser guerreiro. Se não o fosse teria sido destruído. E com ele o seu planeta. A resistência pacífica não resulta neste contexto, como não resulta noutros. É recordar o discurso realista de Barack Obama quando recebeu o prémio Nobel da Paz:
«A non-violent movement could not have halted Hitler's armies. Negotiations cannot convince al Qaeda's leaders to lay down their arms. To say that force is sometimes necessary is not a call to cynicism it is a recognition of history; the imperfections of man and the limits of reason. [...] So yes, the instruments of war do have a role to play in preserving the peace.»
A personagem Trudy Chacon desabafa: «I was hoping for some kind of tactical plan that didn't involve martyrdom.»
Até na guerra os Na'vi surgem integrados/em parceria com a natureza; há uma sintonia entre os humanoids e os outros seres vivos. O Homem mune-se de máquinas (artificiais) para fazer a guerra e destruir. O povo guerreiro nativo não tem as máquinas terrestres e aéreas dos humanos, mas contam com aliados do mundo natural: animais em terra e no ar. O mundo natural, incluindo as criaturas animais, fazem parceria com eles.
No final, não venceu quem tinha mais bombas, mais poderio bélico, no sentido que conhecemos como humanos.
Para o Homem, a luta pela sobrevivência implica a subjugação ou a destruição do outro. É uma questão de "eu ou tu", não de "eu e tu". Um tem de ser eliminado. A co-vivência é um valor secundário para os humanos. Em nome da sobrevivência (nome benévolo dado à ganância) o Homem justifica a destruição da natureza e de outros povos.
O filme transmite uma mensagem de esperança (ilusão?), neste tempo de crises várias (a maior é de valores) e de um caminho aparentemente sem saída, na nossa relação com a Mãe Natureza. Os cientistas saem bem nessa fotografia, em oposição aos senhores da guerra e às corporações gananciosas.
Nota:
Avatar (Avatāra - "descida") é uma manifestação corporal de um ser imortal segundo hinduísmo. Aliás, a busca do equilíbrio e a união (harmonia) entre o ser humano e o Cosmos faz parte da filosofia do Yoga. Somos feitos da mesma matéria das estrelas...
Considero que o filme é uma fantasia perigosa pois estimula a ingenuidade. No mundo de hoje e tal como o realizador nos apresentou os Na`vi seriam eliminados no primeiro combate. Um povo a viver concentrado num único lugar - a árvore - seria rapidamente eliminado e não faltaria uma CNN com "estórias" prévias que o justificassem perante a opinião pública terrestre! Já estou a ver: "Na`vi fazem sexo com animais". Com este título estariam suficientemente desumanizados para serem eliminados.
ResponderEliminarSó o facto de eles terem saído vitoriosos estimula no nosso mundo real um outro mito: os vencedores são-no porque o destino intervém de alguma forma para repor o bem em detrimento do mal. Todos sabemos que isso não é assim...
amsf
O filme Avatar tem esse lado alienante de conto de fadas, a começar pela beleza exuberante do planeta Pandora, que nos encanta e deixa bem dispostos.
ResponderEliminarMas, o essencial tem a ver com os valores do Equilíbrio natural e da existência pacífica e em harmonia com a Natureza. É isso que devemos (re)aprender. Será possível ou só nos resta o caminho da destruição da Natureza e auto-destruição?
Quanto à fantasia ser perigosa, tem a ver como os espectadores encaram a ficção, neste caso científica.
Há aspectos da vida em Pandora que não são verosímeis se estrapolados para o contexto da vida na terra como a conhecemos. Em Pandora as regras são diferentes e os guionistas tiveram mais liberdade nas soluções, na arquitectura do enredo, para assegurar a evolução/resolução da história.