«É fundamental o tempo não produtivo, o tempo da cultura», defende o escritor Gonçalo M. Tavares |
Ainda no âmbito da edição do Festival Literário da Madeira 2014, Gonçalo M. Tavares terminou a sua conversa, a respeito do seu livro Atlas do corpo e da imaginação, dizendo que é preciso «perceber as essências nestes tempos mais violentos, economicamente».
E, por vezes, o «essencial está na periferia», referindo que o «imaginário tem a ver com o desviar do olhar para o que está à volta e além do que é mais óbvio e dominante», seja numa imagem ou num texto. Significa «ver outra coisa que não nos é mostrado» ou transmitido.
Para o escritor, «ler é mais ver imagens à volta da frase do que ler a própria frase.» Por isso, o «bom leitor é aquele que não fica só na frase que lê». Bem como uma «imagem também tem outras imagens à volta.»
Ao longo da conversa, Gonçalo M. Tavares foi comentando uma série de imagens que integram o Atlas do corpo e da imaginação, tendo sublinhado que se «deve parar nas imagens», saber «pensá-las e digeri-las». E «não dizer sempre formidable às imagens que passam à nossa frente».
No seu entender, «falar de coisas concretas não adianta nada», querendo dizer que os «artistas devem ter entrada na actualidade de um forma diferente, para acrescentar algo», de modo a não entrar em cima do imediato.
Define como «fundamental o tempo que não é produtivo, o tempo da cultura», apesar de ler ser um «luxo existencial», que não existe para quem as necessidades básicas, de sobrevivência, satisfeitas (embora mesmo em tempos de prosperidade, o consumo de cultura no País não tenha sido, proporcionalmente, muito diferente). Sustenta que a «pobreza não tem tempo» e «não pode esperar». Exemplificou com o assalto ou «transferência massiva de macieiras» desde 2008, em que as pessoas, para acudir situações urgentes, não vendem apenas as maçãs, mas também as próprias macieiras, que lhes asseguraria o futuro.
Ora, «ler não dá algo de imediato», acrescentando que «cultura é o contrário de informação», isto é, «cultura são informações digeridas ao longo do tempo». Em tempos de crise «desvaloriza-se certas actividades que não dão fruto de imediato». Por isso, «ler é associado a uma actividade inútil».
Falou da importância do «decidir sobre o que pensar», para não se deixar levar no ruído da actualidade, que muitas vezes não traduz a realidade, mas que ocupa as conversas e o pensamento das pessoas, com a tendência a uniformizar tanto as conversas como o pensamento. Com toda a gente a falar e a pensar os mesmos temas e assuntos.
Por fim, uma nota sobre a importância das «referências», que são um ponto fixo, que são feitas para períodos de crise, com o efeito de «tranquilizar» as pessoas. Daí defender que «não se devem mudar em tempo de crise.» Apelidou isso de «absurdo». As leis, «a voz colectiva» que «dura no tempo» («só me muda quando é melhor ou aparece algo totalmente novo» - as «ditaduras vivem de mudanças repentinas de lei»), são um importante referencial («impõem um conjunto de relações entre as pessoas»), notando que a Europa tem as leis com que mais se identifica.
No entanto, estão a acontecer mudanças para leis menos humanistas, com o económico a se sobrepor à política, o que «é perigoso». Tal como quando o militar se sobrepõe à política. As leis nem sempre são éticas e boas, já que são frases escritas por pessoas, sendo importante «saber quem as escreve».
Alertou ainda para o facto de se dizer "isto é o mal" é «começar a fazer pontaria», mas que o «mal é mais um questão "do quê" e não "do quem".»
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A propósito:
«Cultura permite que as pessoas aumentem a lucidez»
Arte não se submete a nada nem a ninguém
Portugueses não olham para a cultura como bem essencial
Assisti e gosto de voltar a ouvir/ler. Sempre uma lucidez inteligente e uma bela arte de escolha da palavra!
ResponderEliminarAna Margarida
Gonçalo M. Tavares, além de escritor de enorme talento, possui uma sabedoria de vida que não é comum antes ou aos 40 anos (agora tem 43). É um privilégio podermos lê-lo e ouvi-lo.
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