As manifestações de opinião sobre a guerra lançada por Israel sobre o Líbano correm sempre o risco de tomar partido por uma das partes em conflito, o que é legítimo. Por um lado Israel (e EUA) e, por outro, o Hezbollah (Irão, Síria). Cada parte defende a sua "legítima" luta, seja ela qual for: por segurança ou por resistência a uma força de ocupação. Cada qual acusando o outro de ter atirado a primeira pedra. Sem esquecer, no meio disto tudo, o conflito paralelo que decorre com o Hamas, eleito democraticamente, quer se goste ou não, e cujos membros do governo são raptados por um outro estado...
Não é feio tomar partido, contudo, o partido que se deveria tomar, acima de tudo, é o dos direitos humanos, da racionalidade, da paz e da justiça. Porque o partido da indiferença é terror moral.
Há muita hipocrisia à volta de mais esta guerra. Tanto uns como outros, independentemente das razões que lhes assistem e supostamente justificam a violência, dissiminam o terror e utilizam os civis como alvo. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Não há terroristas bons e terroristas maus. Não há terrorismo justificável por via de laços de amizade com as potências do mundo ou por via de uma causa de autodeterminação.
Mas, estar-se enquadrado num estado e num exército torna os actos de terror actos de guerra justificada? As definições de terrorismo variam consoante os actores em causa? Se os israelitas são soldados, os membros do Hezbollah não podem ser guerrelheiros?
Ambos cometem actos de terrorismo: Israel tem a vantagem de ser um estado, ter um exército eficaz e os EUA como aliados. Será o terrorismo de estado melhor e mais legítimo que o terrorismo individual de organizações? Ao Hezbollah não restará outra forma de actuação e de defesa da causa da autodeterminação do povo palestino que não o ataque a cidadãos inocentes - terrorismo? Enfim, actuaram sobre soldados israelitas e Israel considera um acto terrorista, igual a fazer explodir uma bomba sobre civis, e não uma acção militar ou de guerrilha.
As manifestações de rua já realizadas contra esta guerra tomam partido por um dos lados. O aspecto positivo é que, ao menos, tomam partido pela parte mais fraca. Contudo, deveriam esses movimentos pelos direitos humanos explicitar a condenação de qualquer acto terrorista. De explicitar as atrocidades cometidas pelos dois lados.
Israel e o Hezbollah não cumprem ambos as resoluções da ONU (vide contextualização histórica aqui no Farpas sobre a questão da Palestina - seria bom uma contextualização semelhante que apontasse ainda os incumprimentos do Hezbollah). Israel já se deu ao luxo de bombardear bases e matar vários observadores da ONU na actual guerra, alegando erros de pontaria, quando se sabe que o exército israelita faz honra da sua precisão e que, desde os anos 80, são bem conhecidas as localizações das bases da ONU no Líbano. Neste momento, países como a Australia consideram ser uma missão suicida mandar observadores da ONU para o terreno. Seria isto que se pretendia?
Israel pode raptar (inclusive membros de um governo democraticamente eleito na Palestina) e matar quantos quiser a coberto da luta contra o terrorismo. O Hezbollah raptou dois soldados israelitas e foi suficiente para Israel entrar Líbano adentro e provocar uma guerra que muitos consideram excessiva na força. Os resultados estão à vista: destruição de infraestruturas civis e centenas de mortos civis - por acção directa dos bombardeamentos ou devido à sua deslocação, em condições precárias, para fugir à guerra. Os mortos do Hezbollah são poucos, segundo os dados oficiais.
Isto nem é olho por olho. Um olho israelita é trocado por muitos corpos da outra parte. Umas vidas valem mais do que as outras. Mas está tudo justificado - libaneses que fiquem nas suas casas são apoiantes (terroristas) do Hezbollah e está resolvido: "all those now in south Lebanon are terrorists who are related in some way to Hezbollah" (declaração atribuída a Mr. Ramon, um confidente próximo do primeiro ministro de Israel).
Resultados de duas semanas de conflito:
Três aeroportos bombardeados
62 pontes destruídas
Três barragens e portos atingidos
5,000 habitações danificadas
Alguém acredita nalgum resultado prático desta guerra, em termos de trazer-se paz à zona? Como alguém já disse, é uma guerra de Israel/EUA contra a Síria/Irão, em que se utilizou o Hezbollah como rastilho e o Líbano como teatro de guerra. É um confronto entre diferentes formas de governar, disse George Bush, que continua com o sonho de impor à força formas de governo onde lhe convém. A democracia que elegeu o Hamas não interessa a Bush. Apenas vale a democracia que elege quem Bush quer e quem lhe interessa (traz proveito). Sobretudo se puder implementar governos fantoche que lhe dê o petróleo de que ele precisa, nomeadamente.
Israel chega ao ponto de agora dizer que o mundo apoia a ofensiva por a comunidade internacional não ter exigido tréguas nem pediu o fim do ataque militar, na cimeira de Roma. Israel sente-se autorizado e lê a passividade como luz verde para continuar e acentuar a guerra.
E aqui vamos.
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