Nota 1: Agradeço que faça um post integral da minha resposta no seu blog (incluindo as notas).
Nota 2: os comentários que aqui efectuo são única e exclusivamente da minha responsabilidade e traduzem única e exclusivamente a minha opinião. Tanto a TAP como a instituição da qual era membro, na Madeira, à data de publicação do artigo, não têm qualquer responsabilidade sobre a alusão que fiz ao surf e condicionamentos devidos à ‘intervenção paisagística’ no artigo em causa. Do mesmo modo, não têm conhecimento desta resposta e portanto esta não retrata, em termos de opiniões e considerações, o seu ponto de vista.
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Olá Nélio! O meu nome é Telma Ferreira e fui a autora do artigo ["O Éden pintado de azul e verde"] sobre a Madeira [na revista Atlantis da TAP, edição de Maio-Junho de 2006]. Soube do seu comentário ao artigo em questão através da TAP, no final da semana passada. Apesar do meu endereço de e-mail constar do artigo não me contactou a colocar a mesma questão, suponho porque calculou que a tradução não seria feita pelos autores?! Relativamente ao seu comentário não posso deixar de responder (uma resposta exclusivamente de carácter pessoal).
Em primeiro lugar, felicitações pelo olhar crítico e atento sobre a realidade que o rodeia; é necessário algum espírito de aventura num país em que o diálogo parece ser tido como uma entidade abominável, a evitar, e não como uma ferramenta poderosa, construtiva. Subscrevo completamente a citação de Prévost, publicada no seu blog.
Quando me perguntaram se queria escrever um artigo sobre a Madeira respondi de imediato que sim; a ideia era falar um pouco da ilha e dos seus ‘tesouros naturais’.
Há poucos anos comecei a acompanhar um amigo, adepto do ‘handsurf’, pelos spots de surf da ilha e apaixonei-me (ainda mais) pelas ondas, pelos ‘surfsports’, pelo espírito… e obviamente fiquei a par de alguns problemas inerentes à prática de surf na ilha – construção de ‘praias de betão’, paredões, etc. Aliás estas problemáticas já eram do meu conhecimento, não enquanto admiradora de surf mas enquanto Bióloga, visto que decorrem em 1º lugar de atentados contra o Ambiente e contra uma Política de Turismo Sustentável, que na minha opinião não beneficiam a ilha.
O surf não era uma temática proposta mas dado o meu interesse pessoal pela actividade/espírito e enquadramento na temática geral do artigo decidi inclui-lo ainda que utilizando apenas um pequeno parágrafo. A utilização da expressão ‘ainda que já bastante intervencionados’ foi intencional, com o objectivo de descrever o que considero uma realidade e ainda como uma alerta/sugestão subtil (a um repensar de políticas, opiniões) aos governantes e ou habitantes que porventura lessem o artigo. Pensei que seria tb útil que turistas interessados no surf fossem informados de qual a situação real, ainda que para grande parte dos surfers conhecedores dos spots da Madeira, nacionais e internacionais, esta já não seja uma novidade como sabe tão bem como eu; alguns tendo até estado envolvidos em manifestações contra as praias de betão, paredões, …, e de uma visão estreita de utilização de um ambiente tão diverso quanto o é a ilha da Madeira!
Creio que até à data em que a TAP me falou do seu comentário a equipa editorial, não sendo conhecedora da situação na Madeira, não estava inteiramente a par do que eu queria dizer/sugerir com ‘já bastante intervencionados’; só depois do seu comentário lhes expliquei que essa expressão de certo modo aludia à ‘política de betão’, contra-natura e à falta de consideração por um turismo (do surf) que hoje é tido como uma grande mais valia noutros países. Disse-lhes também que decerto quem teria feito o comentário seria alguém do surf e/ou conhecedor da situação na Madeira, situação esta que tende a dificultar e limitar uma prática saudável, aliciante, em consonância com a Natureza… Uma breve pesquisa conduziu-me de imediato ao seu blog.
Infelizmente, na tradução houve mesmo um lapso; infelizmente não reparei nesse lapso antes de o artigo estar publicado – para lhe ser franca, nem depois de publicado o artigo notei o erro (talvez porque acontece com frequência que quem escreve tem algumas vezes dificuldade em ‘ler-se’ e/ou porque houve um outro lapso de tradução em que reparei que me preocupou e que possivelmente terá concentrado a minha atenção visto que resulta num erro de índole científica relacionado com a minha área de especialização). Infelizmente também, por vezes, as pessoas cometem erros aborrecidos, ainda que sem querer; aliás, um amigo e um familiar, ambos hansurfers, familiarizados com o ‘bastante intervencionados’ a que faço alusão, um de língua materna portuguesa e outro de língua materna inglesa, leram também o artigo, antes e depois de estar publicado, e da mesm forma não repararam no lapso.
Espero que a minha explicação o satisfaça, ou melhor que acredite que foi um lapso porque de facto assim foi (claro que satisfeito não ficará porque seria de alguma pertinência ter traduzido o pequeno excerto omisso!). O mesmo para os leitores do seu blog, aos quais com a frase «Cabe ao amigo leitor retirar as devidas ilações sobre os factos, que recordamos (…)», sugere alguma ‘inflamação’…
Assim sendo, termino o meu comentário com a sugestão de que continue com um olho atento, de fogo, mas não ‘bombástico’, pois nem sempre onde parece que ‘Aqui há gato!...’ ele esteja mesmo lá (o gato, quero eu dizer). Para além disso, não questionando o facto de que inquirir seja benéfico, sugiro um pouco mais de “pax ciência” (“= ciência da paz”) e cautela visto que é triste que tenha chamado a atenção dos seus leitores sugerindo uma má intenção onde não a houve e tenha ignorado a boa intenção de que numa revista do género, alguém se tenha lembrado de fazer uma alusão ao surf e um comentário subtil ‘às intervenções’ menos simpáticas do bicho Homem…
Cumprimentos,
Telma Ferreira
"la science est faillible, parce qu'elle est humaine." k. popper.
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NOTA do OLHO DE FOGO:
Cara Telma Ferreira,
Obrigado pelo contacto.
Não a contactei pessoalmente porque achei que deveria ser a direcção da revista, ao nível institucional, a dizer algo sobre o assunto: a ficha técnica da Atlantis diz que a tradução está a cargo de "Alphatrad Portugal, Lda" e "Margaret Kelting, Traducta" e a revisão a cargo de Manuel Afonso. Não calculava que a responsabilidade da tradução e revisão seriam do próprio autor.
Tenho interesse pelo que a Madeira tem de exótico e autêntico. Sem fundamentalismos. Penso ser possível conciliar as coisas: a sofisticação (desenvolvimento, progresso, bem-estar das populações) com a preservação do património natural. Não sou inflamado como parece a Telma considerar a partir do nome do blog, que é nome de pássaro, pacífico e activo.
Ainda bem que incluiu a expressão no artigo "ainda que já bastante intervencionados" porque está a apresentar factos, a realidade das coisas. Pena ter ficado de fora da versão em inglês, que é lida por estrangeiros a bordo dos aviões da TAP, devido ao tal lapso.
Não tenha dúvidas que acho meritório a sua alusão específica e o artigo no seu todo. O que não é posto em causa pela frase desaparecida na versão em inglês. Um lapso não põe em causa tudo o resto.
A Telma não precisa de insistir em explicações porque a revista já o tinha feito. Nem vou especular sobre o assunto. Limitei-se a apresentar os factos no blog, contactei a revista, dei conta da resposta. A frase «cabe ao amigo leitor retirar as devidas ilações sobre os factos, que recordamos (…)» é perfeitamente supérflua, redundante, se vermos bem. Ainda bem que me chamou a atenção para ela. Os leitores são inteligentes e não precisam que alguém lhes diga para retirar as ilações que são "devidas" (de direito, justas). É uma frase que explicita o que não precisa ser explicitado porque já o é pelos factos. É redundante. O devido, direito ou justo cabe ao leitor determinar perante os factos, seja qual for a sua leitura/conclusão. A frase é, de certa forma, uma desconsideração ao leitor, que não precisa que lhe digam que deve fazer o óbvio, o que faz intuitivamente. Penitencio-me perante os leitores. Posso, facilmente, e com todo o gosto retirá-la porque em nada altera o conteúdo. Ainda por cima se é passível de sugerir inflamação... ou até má intenção...
Perante os factos fazemos como o juiz perante as provas: tiramos ilações de acordo com o verosímil, porque ninguém pode entrar na cabeça das outras pessoas. Infelizmente, o que parece nem sempre é. Infelizmente, é no que parece (no verosímil: no que mais convence e faz acreditar a partir dos indícios) que as pessoas se baseiam para retirar ilações. É o material factual que têm disponível perante si. Nessas situações, o insistir em justificações ou na negação, infelizmente outra vez, só faz reforçar o que parece (mesmo que não corresponda à realidade). Tem um efeito contrário, por mais que nos pareça injusto e desespere. Por mais razão que se tenha. É algo que sai do nosso controlo. Por vezes, os factos conspiram contra nós na forma como se apresentam e sucedem, no espaço e no tempo.
Daí resulta o que chamamos "mal entendidos" na comunicação. E é isso que faz bela e desafiante a comunicação. Se um dia conseguirmos comunicar à outra pessoa tudo, exactamente, como está na nossa cabeça a comunicação perde os seus mistérios e desafios. O preço a pagar são os "mal entendidos". Viva a imperfeição.
Um outro dado: só com insistência minha, no mês de Agosto, depois do primeiro email enviado à Atlantis, em Maio, é que houve resposta à dúvida colocada.
Agora, não se pode confundir sentido crítico/análise crítica dos factos/realidade com maledicência, estar contra, bota-abaixo, ataque, anti-patriotismo, má fé, emotividade, agressividade, entre outros. Na Madeira essa confusão é muito comum e até deliberada.
O Olho de Fogo pode ser contundente/frontal em algumas ocasiões mas baseado em factos e sem ser ofensivo ou maldizente, porque não faz parte da sua matriz. Não é um blog sensacionalista, não é um blog tabloid, red top ou um gutter blog. É até muito ponderado, se ver-se bem.
O acto de inquirir e levantar um assunto não é ofensivo só por si. Na Madeira é, muitas vezes, assim entendido, uma forma de pressionar as pessoas a remeter-se ao silêncio. A não indagar, a não se esclarecer o que, a alguns, não importa esclarecer. Inquirir é um dos pilares do sistema democrático. Não se trata de inquirir para gerar polémica, mas sim para gerar esclarecimento e transparência. Perguntar (para esclarecer) não ofende. Ou será que ofende?
Quanto a ser bombástico, bem, não pode o blog correr o risco de tornar-se mais madeirense do que já é. Não pode tornar-se insonso, conformista, submisso, acrítico, dizer apenas o que supostamente fica bem e não incomoda. Tem de ter o mínimo de alma e pertinência. Tem de aludir, mínima e criticamente, à realidade à sua volta.
Quando me sugere «um pouco mais de "pax ciência" ("= ciência da paz") e cautela» faz-me lembrar muito o modo de ser madeirense. O comodismo é um atavismo regional. Só há reacção quando está em causa a sobrevivência, isto é, a barriga e o interesse pessoal. As cangas em cima dos ombros ao longo dos séculos e a insularidade fizeram da resignação um estado de alma, uma forma de estar e ser. Não resisto a citar um madeirense, a propósito disso:
«Para sobreviver numa ilha, além do mais bem pequena, é preciso dar muita volta à imaginação, ter alguns cuidados como regra e evitar as pedras da calçada que estão mais salientes. Talvez seja por isso que muitos andam tristes e cautelosos a olhar para o chão como nas procissões.» [Ferreira Neto, Tribuna da Madeira, 10.03.2006]
Obrigado uma vez mais pelo contacto e contributo para o esclarecimento.
Abraço,
nelio de sousa
Nota: por favor, não hesite em deixar mais algum comentário neste post se assim o entender.
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Imagem: copyright (c) Revista Atlantis, Ano XXVI, nº 3, Maio-Junho 2006
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