«Tiveram algum tipo de dificuldades para programar a exibição do filme na Região?» Esta foi uma pergunta colocada pelo Tribuna da Madeira, na entrevista a Will Henry, o director da Save the Waves, publicada no dia 1 de Setembro último. O interlocutor respondeu: «muitas salas tiveram medo de o exibir. Por essa razão, escolhemos uma que é gerida de forma independente e [que] tem proprietários corajosos.»
Na mesma entrevista, numa caixa, o semanário publica declarações do empresário que alugou a sala de cinema à Save the Waves para exibição do documentário Jóia perdida do Atlântico. «“Fizeram-nos uma proposta comercial que foi aceite. Estamos numa economia de mercado, o aluguer da sala é um negócio. Só não o poderíamos fazer se houvesse algum impedimento legal relativamente à exibição do documentário, como sejam o incitamento à violência, ao racismo ou à xenofobia”, salienta Maurício Marques, da empresa gestora do espaço.»
Leitura reflexiva:
1. A pergunta do jornalista existe por alguma razão. Que razões tornarão pertinente a realização de tal pergunta? É obrigatório surgirem dificuldades para exibir um filme-documentário na Madeira? O filme em causa produz razões para que se levante a possibilidade de lhe serem colocadas dificuldades de exibição? Porquê e por quem?
2. «Muitas salas tiveram medo de o exibir», respondeu o produtor, acrescentando que foi escolhida uma sala «gerida de forma independente e [que] tem proprietários corajosos.» O documentário é razão para alguém colocar dificuldades à exibição? Qual é a razão do «medo de algumas salas o exibir»?
3. O empresário coloca as coisas num plano racional. Só «se houvesse algum impedimento legal».
4. A razão da pergunta do jornal Tribuna da Madeira e do «medo» de alguns em o exibir, como refere Will Henry, será o clima de ameaça lançado sobre o filme: o Governo Regional anunciou a intenção, em Maio passado, de processar judicialmente, inclusive nos aspectos criminais, os responsáveis pela autoria e pela divulgação de um documentário. Porque, supostamente, nesse documentário que ninguém vira, são utilizados termos pouco abonatórios para o Governo, que entre outras coisas é acusado de ser corrupto.
5. Mesmo assim, essa ameaça de acção judicial seria razão suficiente para as salas da Madeira terem «medo» de exibir o filme? A responsabilidade legal recairia sempre sobre os produtores e nunca sobre a sala de cinema. Não queremos pensar que há outras razões que provocam esse medo além da questão legal.
6. Conclusão: impedir a exibição do Lost Jewel of the Atlantic só poderá ser feita com fundamento legal. Prova disso é ter sido tomada a referida decisão de processar, judicialmente, os produtores do filme.
7. O filme foi já exibido em Portugal Continental. Não houve notícia da invocação de qualquer razão legal para que não tivesse sido exibido. Se é legal para ser exibido em Portugal Continental não seria legal para ser exibido na Madeira?
8. A atenção volta-se para qualquer tentativa de impedir a estreia do filme nos próximos dias.
Se a exibição fosse impedida, por alguém e de algum modo, com fundamento legal, depressa essas razões legais (objectivas) seriam conhecidas e dadas a conhecer.
Se, pelo contrário, o documentário acabasse por ser impedido de estrear-se na Madeira, de uma forma ou de outra, sem que fossem adiantadas razões legais e objectivas, outras leituras seriam passíveis de serem feitas.
Porque as pessoas quereriam conhecer essas razões, como é normal num Estado de Direito e Democrático. Caso contrário, poder-se-ia até pensar que estava colocado um problema de Liberdade de Expressão, que estava em causa o Direito de Informar e Ser Informado, proclamado na Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 19º - «Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.»
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