A propósito do post Missivas dos leitores: artificialidade de duas categorias para a mesma função - ensinar
Tino said...
Os professores parece que querem esquecer que a razão de ser do seu trabalho,isto é, a qualidade e quantidade de conhecimentos adquiridos pelos estudantes é má.Tenho ouvido pouco da boca dos professores qual a razão de ser destes resultados miseráveis.Se não houver um estimulo para a diferenciação entre professores, os bons não serão reconpensados e os maus não sentirão necessidade de mudar nada.Neste momento, que professores desempenham as funções que serão desempenhadas pelos professores titulares? E essas pessoas são as mais competentes para esses cargos? Como é que chegam a esses cargos?
Sábado, Novembro 25, 2006 2:07:00 AM
Comentário:
Pois, é exactamente esse o discurso do actual Ministério da Educação. Culpabilizar uma única parte, os professores, pelos resultados escolares e pelo estado do ensino. São esses mesmos responsáveis políticos que dizem preferir ganhar a opinião pública e perder os professores, como se fosse a opinião pública que fosse implementar as actuais reformas nas escolas...
Esse é um discurso simplista e demagógico, que visa ganhos políticos imediatos ao conquistar todos aqueles que não fazem ideia da complexidade da tarefa de ensinar e de educar. Fica-se pelas questões mais superficiais, por casos de alguns maus profissionais – como se fossem exclusivo do sector da educação... ou uma raridade em Portugal – e evita-se a análise mais aprofundada, nomeadamente quanto às consequências pouco visíveis de certas medidas sobre o ensino. Há coisas que não se vê a olho nu. Mas elas existem e não são menos importantes.
Quanto aos resultados, de que fala no seu comentário, não se pode colocar o ónus apenas sobre os professores. A sociedade em geral, os decisores políticos, as autoridades educativas, as instituições escolares, as famílias e os alunos desempenham uma parte importante no sucesso ou insucesso dos estudantes na escola.
O professor, por ser a parte mais exposta, no terreno, em trabalho directo com os jovens não é um deus ex machina, um salvador que resolva todos os problemas e faça alguém aprender e saber num passe de mágica. Há quem fique à espera da intervenção de uma figura tutelar, de um pai, sobretudo quando estão a isso habituados há demasiado tempo. Esperam inactivos, dependentes e conformados. A sociedade não pode esperar inactiva que o professor tudo resolva. E depois assobiar para o lado. O professor assume a sua quota de responsabilidade, mas não consegue tudo consertar e resolver, num gesto de magia, ou colmatar as insuficiências de todas as outras partes com responsabilidade na educação e no ensino. Ao professor, porque está no fim da linha, não cabe (nem pode ser obrigado a essa tarefa impossível) fazer o que os outros não fazem, incluindo os alunos, que estão na escola para estudar e trabalhar.
Se o aluno não quer estudar e não se empenha não há pedagogia que o faça aprender. Se a sociedade cultiva o laxismo, a indisciplina e o fraco empenho é o professor que resolve tudo isso na sala de aula? Se as famílias não acompanham os educandos como deveriam acompanhar cabe ao professor resolver isso a solo? Se os decisores políticos falham nas suas reformas cabe ao professor resolver isso? Seriam precisos super-homens e super-mulheres em lugar de professores. Os professores devem fazer o que está ao seu alcance e o que lhes diz respeito dentro das suas competências. E salvar o mundo não será uma delas...
Ao se ficar apenas pelos resultados escolares esquece-se outros aspectos fundamentais: desenvolvimento pessoal e a formação na cidadania. Aí as falhas (maus resultados) que existem já pouco ou nada importa, porque não se vê nem se traduz em notas de exames ou nos rankings... Só interessa o que é medível e quantificável... Que interessa se se formam boas pessoas, pessoas felizes, solidárias e cidadãos activos? Pelo contrário, interessa é formar multidões de mão-de-obra barata, consumidores dóceis e cidadãos submissos, para mais facilmente serem encarneirados por quem tem a lucrar com isso, os vários poderes, desde o político ao económico.
Então os professores não se preocupam nem analisam os resultados? É uma ofensa para todos aqueles que vão para casa preocupados, que pensam e investigam sobre formas de melhorar os resultados dos seus alunos. Fazendo das tripas coração muitas vezes. Comprar e ler livros sobre pedagogia/educação nos seus tempos livres, no seu tempo pessoal, em vez de ler romances ou dedicar-se a outra actividade, sem que esses livros possam, por exemplo, ser incluídos no IRS. Tanto seminário feito por professores e investigadores, tanto debate promovido por associações e sindicatos, tanto livro escrito sobre o assunto... Conhece o trabalho, no terreno, do Movimento da Escola Moderna, desde os anos 60, ainda na ditadura? Conhece o projecto SOFIA? Conhece o que fez e ainda faz a Escola da Ponte, na Vila das Aves? Conhece os projectos nas escolas da Madeira, da autoria de professores, muitas vezes em contra-corrente, visando melhorar resultados? Conhece o projecto Caravela? Conhece o projecto Fazer +? Conhece o projecto Aprender e Ensinar em Equipa?
Há uma multiplicidade de factores responsáveis pelo insucesso escolar, que toca a toda a gente, incluindo os professores. Mas toca a todos, de cima a baixo, sem excepção.
E não se esqueçam as razões históricas, o atraso antigo, o ponto de onde partimos, depois de uma ditadura e de níveis elevadíssimos de analfabetismo e baixa qualificação da população activa portuguesa. O atraso era de muitas décadas relativamente à Europa, nomeadamente a Finlândia, que o Governo gosta de citar, mas só para o que interessa. Esquecem-se, por exemplo, a valorização que aquele país faz dos seus professores, o seu estatuto, as condições de trabalho e de como os remunera.
Finalmente, lembraria a conclusão de uma notícia da Grande Reportagem (01.01.2005) sobre os bons resultados dos alunos de países do Leste europeu, nas escolas portuguesas, que dá conta de alguns aspectos entre os tais múltiplos factores em jogo:
«Afinal, não há nenhum problema com o tão vilipendiado sistema de ensino em Portugal, já que é possível obter níveis de aproveitamento escolar bastante exigentes; problema sim parece existir com os jovens portugueses, que em média apresentam nas mesmas disciplinas resultados muito abaixo dos seus colegas do lado de lá da Europa, apesar de todos os problemas de ambientação, de instabilidade, de precariedade económica e de níveis de bem-estar que este últimos e as suas famílias, naturalmente, atravessam. Concluímos assim que a grande deficiência da educação em Portugal não se situa afinal ao nível dos padrões e dos métodos de ensino, mas é sim de natureza social. Por alguma razão que falta descortinar, os jovens portugueses não encontram no seu ambiente natural (familiar, social, etc.) nem os mecanismos de treino e amadurecimento do raciocínio nem os estímulos que os levem a aplicar-se disciplinadamente nos estudos, ao contrário do que acontece com os alunos originários do Leste.»
É preciso virem jovens do Leste europeu para se valorizar os nossos professores... e dizer que, afinal, os métodos de ensino podem ter a ver menos do que se pensa com o insucesso escolar.
E deixo outra nota: por que razão os estudantes da Madeira têm menor qualidade (piores resultados académicos e menor desenvolvimento social/de cidadania) do que os alunos ao nível do país, como traduzem os resultados? Tanto investimento e nada? Será apenas por causa dos professores, certamente... que não sabem ou se esquecem do que têm a fazer...
"jovens portugueses não encontram no seu ambiente natural (familiar, social, etc.) nem os mecanismos de treino e amadurecimento do raciocínio nem os estímulos que os levem a aplicar-se disciplinadamente nos estudos, ao contrário do que acontece com os alunos originários do Leste.»
ResponderEliminarA memória é curta...há 20 anos os sistemas comunistas eram uma tristeza...no entanto de há 10 anos para cá fala-se em bons profissionais de leste que vêem para cá trabalhar na construção civil possivelmente sem que as pessoas se apercebam da contradição!