«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Abortar «porque apeteceu»... a consideração de Marcelo Rebelo de Sousa pelas mulheres

Foi com surpresa que ouvi Marcelo Rebelo de Sousa dizer, no domingo passado no seu programa da RTP1, que a nova lei sobre a interrupção voluntária da gravidez vai «permitir uma livre escolha sem justificação nenhuma. Um estado de alma permite à mulher abortar. Porque lhe apeteceu, põe em causa uma vida humana». A «mulher pode abortar sem causa nenhuma

Quando disse «porque lhe apeteceu», nessa sua resposta a uma primeira interpelação de Francisco Louçã, nem queria acreditar que pudesse achar as mulheres portuguesas potenciais ou eminentes praticantes de aborto com a maior das levezas e irresponsabilidades, sem fundamento, sem ponderação, como se abortar fosse qualquer coisa como dar um passeio ou ir ao cabeleireiro. Ou pior ainda, abortarem por capricho, indiferentes aos dilemas e às consequências a que se sujeitam na difícil decisão/acto de interromper uma gravidez.

A pergunta do referendo explicita a «opção da mulher» na decisão da interrupção da gravidez. E não é assim que tem de ser numa sociedade livre? Vamos partir do pressuposto que as pessoas são irresponsáveis e mal intencionadas, no sentido de aproveitarem a lei para abortar indiscrimidamente, devido a um simples «estado de alma»? E se a mulher abortar na clandestinidade estará menos determinada? Estará mais e melhor acompanhada? Terá aconselhamento? Agirá com mais razão, reflexão, justificação, ponderação e responsabilidade?

Marcelo Rebelo de Sousa diz Não à possibilidade de opção da mulher. Como fica mal dizê-lo assim, então refugia-se no argumento de que a nova lei significará a liberalização do aborto. Como é liberalização se a lei coloca limites como a fronteira das 10 semanas? A opção da mulher deveria ser substituída pela opção de quem? Quem iria ditar? A opção de uma mulher pela interrupção da gravidez pode ser criticada mas não impedida.

Neste vídeo Marcelo Rebelo de Sousa afirma que o que se «está a votar é o sim à livre possibilidade da mulher, sem qualquer justificação, pôr fim àquela vida humana.» (Francisco Louçã, por sua vez, respondeu, neste outro vídeo, ao professor.) Marcelo Rebelo de Sousa quer a despenalização (não criminalização) mas não a livre opção da mulher. Quer ver a mulher sinalizada, levada a tribunal, mas recebendo um perdão no final, uma espécie de pena suspensa. Seria uma solução de meias-tintas, moralista. Não criminalizar mas expor à censura. Uma espécie de puxão de orelhas caritativo, dissuasor e moralizador do pai Estado. Isso é infantilizar os cidadãos e tratá-los como criancinhas imaturas, sem autonomia ou responsabilidade. Se não fosse a mulher a escolher já deixaria de ser crime?

Assim, como a opção não é bem aquela opção ideal que tem na sua cabeça, Marcelo Rebelo de Sousa prefere votar Não e manter tudo como está, ou seja, a criminalização do aborto e o envio das mulheres para o tribunal e a cadeia (3 anos). Nem opta pela abstenção. Nem opta pelo "mal menor". Como não é aquilo que quer, prefere manter a penalização e condenação da mulher como uma birra: ou é isto que eu defendo ou não é nada. A posição do professor não é intelectualmente honesta nem defensável. É uma posição ou estratégia política contra a maioria do Partido Socialista, que está determinado na campanha pelo Sim.

Glória Fácil...
Arrastão
Referendo sobre o aborto

3 comentários:

  1. Tenho encontrado muito essa forma de pensar...O professor Marcelo é um cránio mas parece que a Madeira está cheia de crânios. Não é invulgar encontrar pessoas que têm a ideia de que as mulheres que abortam são uma P****. Que recorrem ao aborto como quem toma um café...às vezes sou ingénuo mas penso que isso não deve ser assim tão vulgar...em pessoas equilibradas!

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  2. Brada-se pelo direito à vida, à Consciência que os argumentos em prol do não recusam à Mulher. Essa, é apenas (um ser acéfalo) portadora de uma gravidez. A ela não lhe resta senão arcar com o peso da decisão dos outros que, claro, está, pensam melhor que/por ela.
    Apenas lhe compete obedecer.
    Não sei se conhece, mas recomendo a leitura da crónica de Anselmo Borges no DN, do passado dia 21:
    http://dn.sapo.pt/2007/01/21/opiniao/referendo_sobre_o_aborto.html

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  3. Obrigado pelos comentários e pelo link para o texto de Anselmo Borges, análise com bom senso e realismo.

    Acompanhava esta questão do referendo da despenalização da interrupção da gravidez à distância, mas os «porque lhe apeteceu», «sem causa nenhuma» e «sem qualquer justificação» de Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu e motivou um apontamento.

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