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Depois de Rigo, eis a mostra de trabalhos que mais me impressionou no Centro das Artes - Casa das Mudas, na Calheta. Kimiko Yoshida interpela o pensamento além de provocar o prazer estético. Tudo o que não seja eu está patente até 26 de Agosto.
Uma selecção a partir dos textos de Jean-Michel Ribettes sobre a arte de Kimiko Yoshida:
"A arte é aquilo que transforma", diz. Transformação, será essa a palavra-chave de Kimiko Yoshida. “A transformação é, para mim, o valor último da obra. A arte tornou-se, para mim, no espaço do reviramento, da livre ressonância, da metamorfose mudável – mutação, permutação, transmutação. Os meus auto-retratos, ou o que é designado por esse termo, são apenas o local e a fórmula da transfiguração. Interessa-me tudo o que não seja eu. Estar onde penso não estar, desaparecer onde penso estar, eis o que importa.”
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«Assim aparece, ao sabor das transformações de si realizadas por ela própria, a figura de uma africana, seguida de uma índia, de uma tibetana, com digressões pela Rússia, Palestina e Iémen… Uma mulher, seguida de outra mulher, seguida de outra… Aparecimento e desaparição, as figuras mudam e não mudam, trocam-se na noite dos tempos, juntam-se noutro sítio e de outra forma, indicam a saída do círculo. Epifanias e iluminações…»
«Kimiko Yoshida anexa as mitologias, desvia os rituais e transforma o significado destes; as suas experiências escrevem uma nova forma de viver, variegada, abundante, maleável, uma nova forma de explorar as culturas e as religiões, ora por dentro, ora por fora, ora nesta língua, ora nesta outra. Mostra a sua vida através da divisão, do fragmentário, da mistura dos géneros, da deslocação, da colagem. É a existência contemporânea mais livre, mais alegre e mais consciente, a experiência artística extrema, indivisível, que se afirma o único verdadeiro apogeu do real.»
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«Ao transformar-se, Kimiko Yoshida oferece-se a oportunidade única de elevar o seu projecto até um impossível que o ultrapassa. Ao afirmar o direito absoluto a identidades sucessivas e simultâneas, ao mesmo tempo ficcionais (cada auto-retrato como Noiva fala de uma noiva celibatária) e contraditórias (A Noiva Rei da Judeia, A Noiva Demoiselle d’Avignon, etc.), ao afirmar o direito absoluto a desaparecer no apagamento e na metamorfose de si, Kimiko Yoshida afirma o único direito que é o inverso de qualquer poder, uma loucura necessária à única razão de ser da arte, que consiste em transformar aquilo que apenas a arte pode transformar.»
"Cada fotografia é uma cerimónia da desaparição. Os meus auto-retratos são naturezas-mortas." «Kimiko Yoshida reconduz tudo à ausência, à desaparição, ao apagamento. Mas tudo reside na transformação, nas ligações, nas inversões: metamorfose do corpo, mudança dos significados.»
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«A artista japonesa experimenta o enigma do mundo ao desapossar-se de si mesma, abandonando-se à impureza infinita da migração e da mestiçagem, nas profundezas do indefinido, na infinidade essencial do universal.»
«A arte de Kimiko Yoshida tende para o essencial; é uma arte que se dirige à sua essência, que não trata de reproduzir a figura do seu modelo, mas sim de compor com luz e cor uma figura que seja a imagem única de uma figura única, e não a figura de alguém.»
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«Kimiko Yoshida rejeita essa defesa mortífera, furiosa, arcaica da “identidade”, da comunidade, da nacionalidade – nisso consiste a sua “absoluta perfeição”. Nenhuma pertença a define, nenhuma família, nenhum clã. Manifestamente, não pertence nem adere a nenhum grupo étnico, religioso ou sexual. Vira as costas às epidemias contemporâneas da aflição identitária : pertença a um gueto religioso, câmaras mortuárias comunitárias, endogamia étnica, segregação humilhada do gender. A artista exclui-se do niilismo depressivo que caracteriza a ideologia e economia globais. A sua obra responde justamente à globalização das mercadorias e das imagens atravessando as culturas e religiões constituídas, misturando as referências entre elas, metamorfoseando-as. Opõe-se aos choques entre comunidades linguísticas e pertenças nacionais cruzando ritos e mitologias, que miscigena e transforma.»
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«Kimiko Yoshida explica-nos que a identidade é uma fantasia, uma projecção imaginária, nada mais que uma sobreposição de sucessivos empréstimos identificativos. Pensa verdadeiramente que não existe identidade, apenas identificações.»
«Saberemos escutá-la? Nada é menos seguro.»
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Também achei a exposição belíssima. Com sua licença, vou recomendar este post.
ResponderEliminarNão precisa de pedir licença. Eu apenas citei/editei/compilei informação, da autoria de terceiros, disponível na página da artista, para a qual fiz os respectivos links. É uma nota de divulgação motivada pela forte impressão que me deixou os trabalhos fotográficos (e não só) de Kimiko Yoshida.
ResponderEliminarSaudações.