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Recordou o seu crescimento como fadista e destacou um dos seus fados preferidos: «Fado Cravo», de Marceneiro. «Ser Aquele», com poesia de Fernando Pessoa, ou o «Triste Sorte» de João Ferreira Rosa, foram outros dos bons fados que entoou. Isto dito por um leigo como eu, que não é particular apreciador ou consumidor de fado.
Camané é um fadista sóbrio, com uma presença discreta, mas com um vozeirão grave e quente, muito musical. Não tem a mesma extensão de voz para o agudos da Mariza, nem exibe essa capacidade técnica. O que é óptimo.
Se Camané é ouvir fado à lareira, mais intimista e denso, Mariza é fado para as massas, para as grandes audiências - não estava no Ilheú nem uma parte das pessoas que esteve no concerto da fadista em São Vicente. Aquele é mais tradicional, esta mais progressista. Têm ambos o seu valor e lugar.
Mariza é a estrela "rock" do fado. Mais exuberante e comunicadora com a audiência. Utiliza um som ao vivo alto (duro), a requerer tampões no ouvidos, no meu caso (Camané cantou com um som suficientemente alto, mas confortável, sem ferir ou cansar a audição). Mariza utiliza um baixo acústico eléctrico (Camané um contrabaixo) e canta com uma banda com baterista (até houve um solo de bateria no concerto). Muito "rock", pois.
Mas, houve algumas peripécias laterais ao concerto. Continue a ler em baixo.
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Alguns desistiram do concerto, outros foram buscar guarda-chuvas. A chuva amainou e começa a cantar Camané. Os VIP regressam mas têm as cadeiras almofadadas encharcadas. Ficam em pé, o que valeu regozijo no povo logo atrás, nas ondas do relvado. Uma expressão da divisão (distinção) de classes, a Madeira Velha que persiste na Madeira Nova. Um popular verbalizou mesmo a sua satisfação pela desgraça VIP.
Esse espaço VIP estava protegido com grades, uma defesa face ao povo "bruto". Mas, no meio da confusão provocada pela chuva, o referido popular, de copo de cerveja na mão, resolve saltar a grade. Lá dentro, entre os VIP, começou a dançar.
A malta VIP, além de não pagar, tinha direito a lugar sentado mesmo junto ao palco, num evento custeado pelo dinheiro dos contribuintes (Câmara Municipal). O povo pagante (10 euros) ficou atrás, em pé e sem tenda para se abrigar.
Terminava Camané o concerto e uma voz pedia aos músicos para ficar em palco, que o presidente da câmara iria entregar uma prenda ao fadista, para o habitual "dar nas vistas" propagandístico, ainda por cima com eleições para o ano.
Camané não esteve com meias medidas e sai do palco, para voltar depois para um encore, onde voltou a cantar "Sei de um rio", para sair de novo sem dar hipótese à exibição do autarca mor.
Camané ganhou ainda mais respeito da minha parte. Não se deu aos números ou aproveitamentos do poder. Em São Vicente, a Mariza deu-se a esse papel, ao receber, no palco, uma prenda das mãos do presidente da autarquia. Recorde-se que ainda admitiu que uma pimbalhada abrisse o concerto.
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Ainda:
A nova Amália é o Camané
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