«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, dezembro 14, 2008

Professores de luto e em luta 152: ser docente em Portugal



Fernanda Câncio, Vital Moreira e outros opinion makers defensores das reformas musculadas do poder, leia-se Governo da República, deveriam preocupar-se mais com os salários/reformas/prémios/indemnizações milionárias dos gestores em Portugal - e com os milhões dos contribuintes portugueses para tapar os buracos financeiros de bancos privados - do que em denegrir os professores pelas patacas que eles ganham...

Todos os anos, lá voltam os opinion makers afectos ao Governo fazer alarde do suposto céu (privilégio) que é ser professor do básico e secundário em Portugal. Falam como se fossem o problema do país. Tanta atenção demonstra quanto incómoda está a ser a luta dos docentes.

Dizem sempre a mesma coisa suportados nas mesmas estatísticas da OCDE ("Education at a Glance 2008: OECD Indicators"), em que é feita uma análise comparativa das condições profissionais dos professores em Portugal com referência aos demais países da UE e da OCDE.

Mas não dizem tudo. Dizem só o que lhes interessa e invocam os números que dão jeito, para sustentar o seu facciosismo. E os outros números e realidades que são escondidos? Como o tempo de permanência na escola ou o investimento na educação em relação ao PIB. Já não interessa?

Fernanda Câncio e Vital Moreira juntam-se ao coro, se não é por má fé pelo menos estão equivocados, para justificar o método das reformas musculadas, do "quero, posso e mando", contra os profissionais.

Primeiro, é preciso saber como se fazem estas estatísticas: «até parece que a OCDE não publica aquilo que o ME lhe envia e que, em boa verdade, deveria estar disponível publicamente no próprio site do Ministério. Para os mais distraídos, a OCDE não recolhe dados de forma independente, apenas faz a compilação dos dados oficiais de cada país e compara-os, sendo que nem sempre as metodologias e contextos são comparáveis.»

Por exemplo, quanto ao rácio de alunos/professor «não se explica que em Portugal são os professores que desempenham muitas funções que em outros países estão atribuídas a outro pessoal qualificado, como assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, etc. No bendito rácio não estão apenas os professores que dão aulas, estão todos, incluindo os que não dão aulas por estarem no ensino especial a apoiar os alunos com NEE, na coordenação das bibliotecas com redução de horário, nos centros de formação, etc, etc.» (LER MAIS)

Quanto às horas de trabalho lectivo - Portugal está bem acima do meio da tabela - será que os professores finlandeses, noruegueses, dinamarqueses, alemães ou suecos passam tanto tempo em reuniões inúteis, tanto tempo a debelar montanhas de burocracia ou tanto tempo a cumprir funções que não são as suas (de ensino) como os professores portugueses?

Se formos a um outro indicador, os alunos por turma, o facto dos docentes serem pau para toda a obra também acaba por implicar que o número de alunos seja maior do que o rácio alunos/professor avançado pela OCDE, que limita-se a dividir o total de aluno pelo total de professores, excluindo determinadas variantes e especificidades de cada sistema de ensino.

No que ao salário dos professores portugueses ao menos se reconhece que ganham pior do que em muitos países: «os professores portugueses em início de carreira estão entre os mais mal pagos da OCDE (em termos de poder de compra comparativo)».

A situação só melhora no fim da carreira, para compensar a fase anterior, precisamente aquilo que é sublinhado por certos opinion makers, de forma exagerada, como se isso fizesse dos professores portugueses os mais bem pagos da OCDE em termos absolutos... Nesta matéria, defendo que a massa salarial deveria ser destribuída mais uniformemente durante toda a carreira - para maior equidade e ter melhores condições de trabalho no início da carreira, que exige investimentos maiores.

Esquece-se que o salário dos professores está longe de ser líquido, porque - ao contrário até do que sucede com profissionais de empresas privadas - pagam para trabalhar: têm de comprar tudo, desde a simples caneta até ao computador. Já tenho colegas professores que pensam já em comprar material como o projector de vídeo, para o terem à mão nas aulas, sempre que precisam, para não estarem condicionados à escassez ou falta desse material nas escolas.

E como os docentes portugueses não têm gabinetes para trabalharem na escola, têm de destinar espaços da sua própria habitação para terem um escritório e arquivarem toda a tralha.

E os professores não têm esses reais privilégios e mordomias como subsídios de deslocação, de representação pessoal ou cartões de crédito dos serviços...

Não quero com isto dizer que os professores são um coitadinhos ou que estão pior dos que ganham o miserável salário mínimo neste país. Simplesmente não são os privilegiados que muitos pintam, em apoio às reformas neoliberais (do New Public Management) e musculadas que o actual governo quer impor à força aos docentes e às escolas, com prejuízo da escola pública. Aí não imitam muitos dos países europeus...

Depois ainda vêm os «termos relativos» para dizer que, em comparação com o PIB, os docentes deste país fossem dos mais bem pagos. Em relação ao PIB, se calhar o salário mínimo português é uma fortuna e os trabalhadores não sabem... Em relação ao PIB, Portugal é dos países que menos investe na Educação...

E as remunerações em Portugal de profisssões muito, mas mesmo muito, acima das suas congéneres europeias e da OCDE já não interessam? Não se metem com eles? Como os salários/reformas/indemnizações milionárias de gestores? Pois, não interessa se meter com gente importante... É mais fácil bater nos professores, bater no ceguinho... Neste momento, é o saco da porrada do Governo e de muito boa gente...

Além do mais, se é assim tão bom ser professor em Portugal, não vejo nenhum destes opinion makers a tentar a sua sorte no ensino básico e secundário... se o consideram assim tão vantajoso... Só lhes fazia bem uma injecção de realidade...

Nem tão pouco os vemos a dispensar de ganhar os seus salários acima do PIB, relativamente às remunerações das mesmas profissões nos outros países da OCDE...

Devem achar que as suas profissões são todas mais importantes para o futuro do país do que a docência...

Recorde-se:
Realidade dos números que o Governo esconde sob os actos de propaganda
Professores não ganham tanto nem trabalham pouco como dizem
Não manipulem a verdade dos números
Salários dos professores
Os professores ganham bem? Onde?

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