«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, setembro 15, 2008

Professores de luto e em luta 91: a realidade dos números que o Governo esconde sob os actos de propaganda

Damos aqui conta de uma leitura do Education at a Glance (2006) publicado pela OCDE (ver aqui).

Divulga-se e comenta-se o que foi escrito no Mobilização e Unidade dos Professores e no Jornal de Notícias.

Há quem acuse o Ministério de esconder, «cobardemente», certos números, de forma a «virar os portugueses menos informados contra os que trabalham dia a dia para dar um futuro melhor aos filhos dos outros.» Há números da OCDE que não convêm a este governo.

Se for à página 58, verá desmontada a convicção generalizada de que os professores portugueses passam pouco tempo na escola e que no estrangeiro não é assim.

É apresentado, no estudo, o tempo de permanência na escola, onde os professores portugueses estão em 14º lugar (em 28 países), com tempos de permanência superiores aos japoneses, húngaros, coreanos, espanhóis, gregos, italianos, finlandeses, austríacos, franceses, dinamarqueses, luxamburgueses, checos, islandeses e noruegueses.

De acordo com o estudo, Portugal é o terceiro país onde os professores mais tempo ensinam (do seu horário de trabalho), na sala de aula: 60% do tempo total na Primária e 50% no Secundário.

Na página 32 poderá verificar que, quanto a investimento na educação em relação ao PIB, estamos num modesto 19º lugar (em 31 países) e que estamos em 23º lugar (em 31 países) quanto ao investimento por aluno.

No mesmo documento de 2006 poderá verificar, na página 56, que os professores portugueses estão em 21º lugar (em 31 países) quanto a salários.

Isto é passado por cima no Jornal de Notícias, que destaca o seguinte: «apesar de Portugal ser um dos países do estudo com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita, os salários dos professores estão ao nível de países com um PIB per capita bastante superior.

É óbvio que, neste estádio, temos de fazer um maior esforço do que eles, que não têm o nosso historial vergonhoso de desinvestimento na Educação, exceptuando os anos de governação de Guterres.

Será que Vital Moreira e outros comentadores, tão lestos a criticar os professores, têm salários de acordo com o PIB? Sabemos o que acontece com as classes dirigentes, tanto na administração pública como no privado. Ganham vergonhosamente bem e têm uma série de mordomias supérfluas (carros pretos, cartões de crédito, despesas de representação e outras mais) à custa dos salários de miséria que pagam à maioria dos trabalhadores.

O mesmo jornal refere outros números do estudo da OCDE: «Portugal gastou, em 2005, cerca de 5,7% do PIB na Educação: 1,4% no Ensino Superior e os restantes 3,7% nos outros graus de ensino.» Será que acham isso um grande investimento face ao nosso atraso de décadas relativamente face à maioria dos outros países europeus?

Não é aqui que reside o futuro do país? Não vale a pena esse investimento? Se não se investe mais como vamos superar o atraso? Há umas almas que acham que investir na Educação é deitar dinheiro em cima dos problemas. Experimentem, nessa política do betão, fazer obras e resolver problemas sem dinheiro.

Note os seguintes textos, que ajudam a compreender quanto profundo é ainda o nosso atraso: Insucesso escolar vem de longe 1; Insucesso escolar vem de longe 2; Insucesso escolar vem de longe 3.

A Irlanda preferiu investir mais nos recursos humanos em vez de investir no betão. E não se deram mal, pois não?

Nos discursos, a prioridade de Portugal é a Educação, na prática, é o betão. (Recordar a este propósito: Discurso da treta, o costume; Presidente da República lança aviso ao Governo II (desinvestimento na Educação); Prioridade mas só depois da prioridade do betão I; Prioridade mas só depois da prioridade do betão II; Prioridade mas só depois da prioridade do betão III; Desinvestimento na educação e professores, investimento na burocracia e nos burocratas; Presidente da República lança aviso ao Governo I).

A maioria dos países com quem somos comparados não precisam de investir tanto em Educação, porque não sofrem dos nossos atrasos e vicissitudes socio-culturais, como o analfabetismo ou a desvalorização do conhecimento e da escola por parte da sociedade e de quem governa, apesar dos discursos e da propaganda.

Diz a notícia citada que «Portugal é o país que gasta a maior percentagem do orçamento dedicado à Educação com o pessoal, um pouco mais de 95%, sendo que 85% dos gastos no Básico e 81% no Secundário são exclusivamente com professores.»

Como se investe pouco na Educação, acaba por sobrar pouco para investir na «investigação e serviços de apoio como materiais, alimentação, alojamento ou transporte», como pode fazer uma Finlândia, que "apenas" gasta 65% do seu orçamento com o pessoal.»

A notícia concentra-se em fazer passar a ideia que os professores são muito bem pagos e que se gasta o orçamento da Educação com eles, sem contextualizar as comparações, como se os países europeus fossem todos iguais. O que faltava era deixar de os pagar. Experimentem fazer funcionar o sistema de ensino sem os professores. Deixem de investir nos recursos humanos ou paguem-lhes o salário mínimo e logo se vê o resultado.

No nível de ensino com números mais favoráveis, o Ensino Secundário, temos «um professor por cada oito alunos inscritos, enquanto que os Estados Unidos da América têm um docente por cada 16 alunos, a Alemanha um por cada 15 e a França um por cada 12. O México é o país com o pior desempenho com perto de 30 alunos por cada professor a tempo inteiro.»

O Jornal de Notícias depois dá-se conta que, «no entanto, estes bons rácios de professor por aluno não encontram um paralelo na dimensão das turmas, onde Portugal ocupa um lugar mediano com 18,6 alunos por cada turma no Ensino Básico e 22,5 alunos no 2.º Ciclo. Refira-se, por exemplo, que a Suíça, com apenas um professor para cada 12 alunos no Secundário, consegue ter turmas de apenas 19 alunos.

Vital Moreira refere o seguinte, no Causa Nossa, a propósito da notícia «Portugal é 2º país de 27 com mais empregados sem qualificação»:

«Estes números de 2006 são arrasadores e explicam só por si o baixo nível de produtividade e de competitividade da economia nacional, bem como as restrições ao crescimento do emprego e dos salários (que até são relativamente elevados para os reduzidos níveis de qualificação existentes).

«Por isso, tem de se aplaudir todo o actual esforço de investimento na educação , incluindo em cursos de natureza profissional, bem como na qualificação e na formação profissional

Será real esse esforço de investimento? Há outras leituras: Presidente da República lança aviso ao Governo II (desinvestimento na Educação). Bem, será investimento depois do investimento do betão?... Não basta distribuir computadores, diplomas e cheques prémio para propaganda.

O bloguista conclui: «Esse é o melhor contributo que o Estado pode dar para o crescimento da economia e do emprego e para a elevação dos níveis remuneratórios dos trabalhadores portugueses. Só há que lamentar os anos perdidos e a irresponsabilidade passada.»

Pelos vistos, parece que se estão e irão perder mais anos.

Memória e cruzamento de ideias é importante:
«Recuperar o amor à escola» com desamor pelos professores?
Melhores resultados escolares? Então toca a tratar e a compensar melhor os professores
«Apostar a sério da Educação», para quando?

Ainda:
Insucesso escolar vem de longe 1
Insucesso escolar vem de longe 2
Insucesso escolar vem de longe 3

Elementos sobre o estado da Escola Pública 7: violência camuflada I
Elementos sobre o estado da Escola Pública 12: violência camuflada II
Elementos sobre o estado da Escola Pública 13: violência camuflada III

Ainda a propósito:
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 1: condições de trabalho
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 2: a mais grave discriminação
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 3: primeira responsabilidade
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 4: manobra para a estatística I
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 5: manobra para a estatística II
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 6: manobra para a estatística III
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 7: violência camuflada I
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 8: manobra para a estatística IV
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 9: nem ditadura por disciplina nem a ditadura da indisciplina
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 10: educação infantil em Portugal (Eduardo Lourenço)
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 11: racionalidade e realismo precisam-se
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 12: violência camuflada II
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 13: violência camuflada III
-Elementos sobre o estado da Escola Pública 14: diploma universitário à nascença resolvia problemas da Educação

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