«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quarta-feira, novembro 07, 2007

Insucesso escolar vem de longe 2

Diário de Notícias da Madeira 2.2.2005
Diário de Notícias da Madeira 23.8.2007
Revista Mais - Diário de Notícias da Madeira 4.11.2007
As duas notícias a preto e branco do Diário de Notícias da Madeira(2Fev2005 e 23Ago2007), já tinham sido objecto de reflexão neste espaço.

Desta vez, no âmbito da mesma temática, reproduzimos uma outra notícia (recorte colorido da Revista Mais do Diário de Notícias da Madeira 04Nov2007), que volta a fortalecer a nossa tese dos efeitos que o background socio-cultural tem nos resultados escolares das novas gerações.

As três notícias (por favor, clicar sobre as imagens para ler) chegam de três diferentes comunidades de emigrantes portugueses: Canadá, Inglaterra e Suiça. E todas apontam para a mesma evidência, todas tratam, fundamentalmente, do mesmo problema. E suportado por estudos desses países de acolhimento, que subentendemos credíveis.

A dura realidade transmitida pelas notícias:

«Os alunos portugueses na Suiça obtêm os resultados escolares mais baixos entre as comunidades estrangeiras».

«A comunidade portuguesa no Canadá é uma das comunidades étnicas com maiores taxas de abandono e subescolarização

«Entre as minorias étnicas, as crianças de origem portuguesa são aquelas que têm os piores resultados escolares», na Inglaterra (área de Londres).

Tanto cá dentro como lá fora, os maus resultados são uma constante. Ou é do malho ou é do malhadeiro, já diz o ditado popular. Por outro lado, estudantes oriundos dos países de Leste conseguem obter sucesso nas escolas portuguesas. Para estes, os docentes portugueses já passam a ser competentes e a pedagogia eficaz...

Face à actual realidade socio-cultural da nossa sociedade e da escola pública, ainda por cima com o ataque sistemático aos professores, às condições de aprendizagem nas escolas e o desinvestimento na Educação, dificilmente saímos deste contexto de crise. Os resultados só "aparecem" com truques perversos e politiqueiros para mascarar os níveis de abandono e insucesso escolares do país.

As perspectivas do trabalho docente são muito duras para os próximos anos. Os professores, sem condições de trabalho (disciplina e empenho de quem aprende), carregam a missão de, sozinhos, a partir da sala de aula e com a pedagogia em riste, resolver tudo por magia, mesmo as condicionantes da realidade socio-cultural que os ultrapassa. Ainda por cima debaixo de uma crítica sistemática e uma acentuada desvalorização social e laboral. Tirem-nos deste filme...

Se parece evidente, do nosso ponto de vista, que o contexto socio-cultural em que vivem os portugueses ajuda a determinar a pouca valorização e investimento na Educação/Qualificação, devemos ressalvar o seguinte:

Não aceitamos responsabilizar esse caldo socio-cultural por todos os males do país. Recusamos justificar a inacção e a irresponsabilidade individuais, transferindo as culpas apenas ou basicamente para a esfera social. Estamos cansados da cantiga do costume de culpar a sociedade por tudo o que de mal acontece aos indivíduos. O contexto social tem o seu peso, mas o indivíduo tem uma palavra a dizer e um papel a desempenhar no superar desses obsctáculos.

Sabemos que as baixas (ou ausência de) qualificações, insularidade, ruralidade, chagas sociais como o alcoolismo, a violência doméstica ou bolsas de pobreza e analfabetismo (o clássico e o funcional), os poucos estímulos para a disciplina, treino, rigor e amadurecimento do raciocínio, a escassa cultura de trabalho (empenho), a desvalorização do saber, da escola e da actividade intelectual, a desigualdade de oportunidades, o nivelamento por baixo, a não valorização de nada além do horizonte futebol-bar-sobrevivência, o não privilegiar nem reconhecer da competência, o domínio do tráfico de influências em lugar do mérito no acesso ao emprego e à mobilidade social, entre outros, tem o seu peso no insucesso escolar numa sociedade como a madeirense, em particular, ou a sociedade portuguesa, no seu todo.

Todavia, não se desresponsabilize o indivíduo, que não é um mero joguete do destino e do contexto socio-cultural, sem acção ou vontade próprias. Para citar José Augusto Fernandes, nós somos 100% o nosso património genético, 100% a educação que tivemos, mas somos, sobretudo, o que fazemos com essas duas componentes.

Isto é, cada um de nós tem uma palavra a dizer e um papel a desempenhar no seu próprio destino. Tem um potencial transformador. Independentemente das dificuldades e do ponto de partida. É preciso ir à luta e fazer alguma coisa pela vida, em vez de esperar que tudo caia do céu. Que o pai, o professor, o governo, Deus ou outra entidade exterior resolva todos os problemas. A autonomia e a autodeterminação individuais servem para quê?

Para alguns é mais fácil a vida, sabemos. Mas, se houver trabalho e empenho, as limitações do ponto de partida e os obsctáculos no caminho podem ser vencidos. Não se justifique a inércia e a desistência apenas pelas dificuldades e problemas sociais ou pessoais de cada um.

A escola pública tem de dizer basta e recusar ser votada ao babysitting e ao entretenimento, à indisciplina e ao pouco trabalho, alienada da realidade, que satisfaz cidadãos irresponsáveis, sem consciência do peso do conhecimento e da consequente impreparação do país para os desafios da economia global, quer se goste ou não do rumo dessa economia.

Como me disse ontem o meu amigo Kris, professor americano na Madeira, «these people will be run over by a train of reality». Não diria melhor. Venha a injecção de realidade quanto antes.

Recorde-se, a propósito:
Elementos sobre o estado da Escola Pública 1: condições de trabalho
Elementos sobre o estado da Escola Pública 2: a mais grave discriminação
Elementos sobre o estado da Escola Pública 3: primeira responsabilidade
Elementos sobre o estado da Escola Pública 4: manobra para a estatística I
Elementos sobre o estado da Escola Pública 5: manobra para a estatística II
Elementos sobre o estado da Escola Pública 6: manobra para a estatística III
Elementos sobre o estado da Escola Pública 7: violência camuflada

5 comentários:

  1. Caro,
    Obviamente que o insucesso escolar possui mais que uma causa, mas entre todas as causas até nem me parece complicado identificar uma causa fundacional, entendendo por esta uma causa que está na base de todas as outras causas e que também explica o sucesso dos alunos de Leste nas nossas escolas. e essa causa prende-se com as políticas educativas baseadas na baizxa exigência, uma ideologia hipócrita que considera que os alunos médios não são capazes de aprender música, filosofia, matemática, física ou química. Como é que se opera esta idiologia, a do eduquês? Desvalorizando o rigor e a exigência dos programas, abolindo exames, substituindo disciplinas nucleares no ensino por disciplinas técnicas e laterais como áreas de projecto e outras patetadas. A ideia agora é que tudo tem de ser prático,como se conseguissemos produzir alguma coisa de útil e original sem exigência e rigor. Assim, a ci~encia e o progresso vão continuar a passar-nos ao lado e continuaremos a confundir a ciência com os resultados da ciência, tal qual uma criança confunde a origem do leite se não lhe explicarem que vem da vaca.
    Abraço
    Rolando Almeida

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  2. As causas têm razões históricas, mas urge tratar o problema de uma forma eficaz.

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  3. Obrigado pelos comentários.

    É uma banalidade dizê-lo, mas a verdade nunca está só de um lado. Também neste caso.

    Há aspectos consensuais e de bom senso quanto à Educação que deveriam nortear uma sociedade, embora se possam colocar em prática, de forma diferente. Conforme as sensibilidades.

    Civismo (disciplina) e trabalho são dois aspectos que deveriam ser inquestionáveis e nunca menosprezados no processo de aprendizagem numa escola. São condições básicas. São pré-requisitos. Condições sine qua non. A pedagogia e o docente nunca substituirão o trabalho e a disciplina por parte do aluno.

    Disciplina não tem de significar ditadura. Sei que a indisciplina também pode ser ditatorial.

    O trabalho não tem de significar escravidão. Sei que a inércia pode ser das piores escravidões humanas.

    Os radicalismos tendem a esquecer algumas verdades básicas. É preciso haver acordo no fundamental.

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  4. Caros,
    Radical são as políticas assentes no eduquês. E porque são radicais? Porque centram a educação nas competências, esquecendo de vez os conteúdos, desvalorizando-os. Há várias formas de ser radical, sendo uma delas o esvaziamento crescente dos programas nos seus conteúdos fundamentais. A pedagogia protagonizada pelos pedagogos do Ministério é que é radical. De que nos queixamos, professores, senão da falta de rigor no ensino e da incapacidade dos nossos alunos em raciocinar. Claro que todas as causas são discutíveis e não somos omniscientes ao ponto de propor a solução mágica para a educação.Mas a pedagogia lusa parece acentar naquilo que os ingleses chamam de "wishfull thinkink" que me atrevo a traduzir literalmente por pensamento mágico, que consiste em partir do pressuposto que se pode aprender sem exigência.
    abraços
    Rolando almeida

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  5. queria corrigir a palavra "acentar" para "assentar", no comentário anterior.
    Obrigado
    Rolando A

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