Imagem: Jornal da FENPROF, Março 2003 (c) copyright.
Tino said...
Caro Nélio de Sousa,
Respeito a sua posição sobre a alteração do ECD, apesar de ser bem diferente da minha.
O relatório da ocde sobre a educação em Portugal traça uma imagem negra do ensino em Portugal e dos professores em particular.
Senão vejamos: os salários dos professores em relação ao PIB per capita é dos mais elevados (1,75 quando a média da UE é de 1,32); O nº de semanas de aulas lecionadas é inferior á média da UE e da OCDE; O tamanho das turmas é inferior á média da UE e da OCDE.
Parece que apenas nos resultados dos nossos alunos é que somos dos piores.
Os professores não terão toda a culpa, longe disso, mas alguma têm. Tal como têm culpa as escolas de educação, os programas escolares, os meios socio-económicos entre outros.
No que cabe aos professores quais seriam as suas propostas para que os melhores fossem realmente reconhecidos e os MAUS professores fossem penalizados?
Quarta-feira, Outubro 18, 2006 12:03:00 PM
Comentário:
Caro Tino, eu parto do pressuposto que, apesar da discordância, a minha posição seja respeitada pelos demais, bem como os outros devem partir do pressuposto que a sua discordância é por mim respeitada, sem necessidade de o explicitar. É assim o jogo democrático.
Os relatórios da OCDE têm o seu valor, ainda bem que os menciona. Contudo, não se podem ler esses dados e compará-los, sem observar o contexto português, com países como a Finlândia. Nós ainda lutamos contra a irradicação do analfabetismo quando há outros que o resolveram há imenso tempo. Temos um percurso importante desde o 25 de Abril na massificação e democratização do ensino, mas nós partimos de pontos bem diferentes, usando exemplos como o da Finlândia, onde, não por acaso, os professores são respeitados e valorizados. Portugal sofre de atrasos endémicos. E precisa de professores motivados (avaliados e reconhecidos pelo mérito pedagógico, claro que sim, mas não de qualquer forma e, sobretudo, com objectivos economicistas conjunturais de corte de salários).
Os problemas da educação não se resumem aos professores nem residem na sua remuneração, embora os professores não descartem a sua quota de responsabilidade. Pagar-lhes menos e retirar-lhes direitos, precarizar o exercício da profissão não é a solução – é apenas uma operação financeira.
E depois vem o mito vendido, estratégica e criteriosamente, ao longo dos últimos anos, que os professores portugueses são os mais bem pagos na Europa. Sempre com o PIB como referência, tão diferente entre os países comparados. O mesmo PIB que se quer melhorar com melhor educação, mais qualificação e produtividade dos portugueses. Mas não se quer investir na educação (encarada como despesa e não como investimento), apesar dos nossos atrasos estruturais, de uma sociedade em que o sucesso se mede não pela competência e pelo conhecimento mas pelo tráfico de influências e outros mecanismos de uma sociedade laxista e de “chicos espertos”.
Há uns livros que explicam muito bem o que se passou nas reformas neoliberais de outros países, no sector da educação, em que os professores foram alvo de todas as iras, bem como as consequências dessas políticas na educação. O exemplo de Margaret Thatcher é paradigmático. Tratar as escolas como empresas não melhora resultados educativos (a não ser para alguns, os do costume) nem democratiza a educação de qualidade para todos. Este filme que está a passar o Ministério da Educação em Portugal já foi visto em muito sítio. Não é nenhuma originalidade.
Voltando aos salários dos professores portugueses, os mais baixos da União Europeia no início de carreira, note-se, são compensados por uma valorização a partir do 8º escalão, altura a partir da qual rivaliza com colegas de alguns países europeus, mas mesmo assim inferiores aos docentes da Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Irlanda ou Luxemburgo. Mas mantêm-se, no global abaixo da média da UE. Considero que o índice salarial deveria estar melhor distribuído por toda a carreira dos professores portugueses. O que o Ministério da Educação pretende é evitar que 80 ou 90% dos professores chegue ao 8º escalão, precisamente a partir do qual são melhor remunerados. Fica tudo à vista.
Avaliar os professores é uma tarefa gigantesca e complexa, porque o produto não são objectos facilmente medíveis e somáveis. Um professor não é só competência científica, que até se pode avaliar num exame qualquer. Interessa muito como comunica, como se relaciona e como é enquanto pessoa. Tem um peso fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Para mim, são obrigatórias várias aulas assistidas, mais do que qualquer coisa, para ser minimamente séria. Numa perspectiva de melhorar a performance do professor. Se for apenas para o punir com menos salário como se vai melhorar os resultados?
As aulas assistidas feitas por uma entidade independente, para evitar suspeitas de laxismo e compadrio no interior das escolas. E isso implica muitos custos. Avaliar mais de 100 mil docentes pode custar uma fatia preciosa do orçamento da educação. O Ministério apercebeu-se da impossibilidade técnica e financeira de avaliar todos os professores todos os anos e já alterou a periodicidade da avaliação para dois anos. Era uma evidência mas ainda fez parte da proposta de estatuto de carreira, o que prova a leviandade com que alguns passos estão a ser dados. Por isso se querem os professores titulares, os tais excelentes professores de reconhecido mérito pedagógico, ainda por cima com muita experiência, a tratar dessas burocracias e não a fazer aquilo que são bons a fazer: dar aulas. É uma subalternização do trabalho pedagógico relativamente aos processos administrativos, um dos aspectos mais preocupantes da nova proposta de estatuto de carreira. Isto terá consequências perversas no sistema. O tempo o dirá, como já se verificou em outros países.
O pensamento do Ministério é só um: já que não se consegue melhorar o sistema educativo tão rápido quanto se desejaria (o país sofre de um atraso estrutural arreigado) então vamos pagar menos aos professores. Sabem que o sistema não melhorará, mas podem justificar as medidas com o argumento de gastar menos e poupar os contribuintes. Uma “poupança” que pode sair cara.
Os professores também se motivam, como os outros trabalhadores, pela carreira, nível salarial e consideração por parte da sociedade. A ministra e o secretário de estado Jorge Pedreira acham que não - embora não os veja dispensar o seu salário e trabalhar por amor à camisola. Quando sabem que a realização profissional dos docentes é muito precária e cheia de obstáculos no quotidiano das nossas escolas. Não há vocação ou espírito missionário que resista a tudo, inclusive à falta de reconhecimento que a ministra tem demonstrado em palavras e actos (políticas). Qualquer pessoa precisa de reconhecimento. O salário e a carreira condignas são duas formas práticas de reconhecimento. Querem retirar isso a 80 ou 90% dos professores, além da falta de reconhecimento público (que se faz apenas com palavras a atitudes). Mas todos os meios justificam os fins para este Ministério. Havia que justificar de todas as formas o corte na remuneração e carreira, nem que fosse preciso acusar os professores de tudo e mais alguma coisa, essa cambada de privilegiados e incompetentes.
As últimas décadas mostram que, nas reformas do liberalismo selvagem (sejam da autoria da direita neo-fordista - neo-conservadorismo + neoliberalismo - ou da esquerda ou centro-esquerda, esta conhecida por Terceira Via - socialismo democrático + neoliberalismo), os professores são uma das partes prejudicadas (além dos cidadãos - por a educação passar a ser um serviço e não um direito, a centrar-se nos resultados e não nos processos, a fomentar o conservadorismo pedagógico, etc.) no sistema educativo: intensificação do trabalho e perda de poder reivindicativo, que se repercute na carreira e massa salarial. A ver vamos se os professores portugueses conseguem contrariar esta lógica. A LUTA CONTINUA.
Este texto é muito contraditório.
ResponderEliminarTanto se fala nos ordenados brutos como nos ordenados em função do PIB.
E estes últimos é que são relevantes.
No início da carreira os Portugueses estão junto aos que mais ganham.
No fim (e não se esqueça que, ao contrário dos seus colegas europeus, todos os portugueses lá chegavam) ganham o dobro da média europeia e bem mais do que os professores dos outros pasises...
Não faz sentido comparar os salários brutos. Só a comparação do salário em relação ao PIB per capita, ou quanto muito o poder de compra dos professores nos diversos países é que seria uma comparação aceitável.
ResponderEliminarOs médicos, engenheiros, arquitectos, sociólogos e demais trabalhadores também não ganham tanto como os congeneres europeus. Por que haveriam de pagar professores a esse valor?
Actualmente, não se paga aos professores esse valor. Em toda a carreira, os professores portugueses já têm, neste momento, um rendimento menor face à média dos países da OCDE.
ResponderEliminarAgora, quer-se é pagar ainda menos, note-se. Ficar mais distante da média.
(Por que não começar pelos próprios políticos, gestores públicos e tantos outros que andam a ganhar, esses sim, bem acima da média da União Europeia, com cartões de crédito, despesas de representação e outras mordomias não contabilizadas?)
Cada sociedade dá prioridade ao que acha ser prioritário... E se pensam que as condições socio-profissionais dos docentes em nada se reflectem no processo de ensino-aprendizagem com os alunos, então é ir em frente, intensificando e precarizando a profissão.
Mas, sabe-se que os decisores destas coisas têm os filhos nos colégios privados e não querem saber da qualidade da escola pública... No fim, se as reformas (operações económicas) não resultarem sempre se pode culpar os professores, como sempre, e não as políticas...
Actualmente continua a haver uma diferença grande entre o que cada País paga aos seus professores. Isso traduz o esforço de cada sociedade para remunerar a respectiva classe docente.
ResponderEliminarE insisto: os professores portugueses são os que mais ganham na Europa, não em termos absolutos (os custos de vida são incomparáveis) mas relativamente ao PIB e às folhas salariais dos restantes trabalhadores.
Sejamos verdadeiros...
O esforço relativo que o Orçamento Português faz para pagar os seus professores é muitíssimo superior à média europeia e o maior de todos.
Infelizmente, esse esforço é tão substâncial que não deixa espaço para outras áreas educativas que não salários. Apesar da percentagem do PIB aplicado em Educação em Portugal se situar ao nível dos mais altos na Europa.
Voce poderá repetir que "em toda a carreira, os professores portugueses já têm, neste momento, um rendimento menor face à média dos países da OCDE". Até será verdade, mas não traduz a realidade (é necessário introduzir a relatividade ao PIB), muito menos o que refere acima (o esforço da sociedade no sector)...
Temos um PIB baixo e devemos investir menos nos professores, é essa a solução que propõe, ao mesmo tempo que se intensifica o trabalho e se desqualifica a profissão, como acontece com a actual política do Ministério da Educação? Para nunca sairmos da cepa torta e do atraso estrutural (em que ainda se inclui o educacional, apesar da evolução dos últimos 30 anos, que carregamos às costas, fruto de vários factores, incluindo uma ditadura de várias décadas), com o baixo nível de qualificação dos portugueses que se conhece?
ResponderEliminarSe os países mais atrasados e pobres não investirem na educação, na qualificação, no conhecimento, como vamos aumentar a competitividade, a produtividade e, por consequência, o tal PIB pobrezinho que temos? Somos pobres e vamos ficar resignados ao nosso PIB? E como se quer mais qualificação e conhecimento sem investir nos profissionais da educação, olhando para os seus salários apenas como despesa, uma despesa desnecessária...? Sim, porque a educação não se faz com betão ou hardware, faz-se sobretudo e basicamente com pessoas. Porque não se pode dissociar o investimento nos professores do investimento nos alunos. Falar em condições de exercício profissional dos professores é também falar em condições de aprendizagem dos alunos. A presença humana do professor é fundamental e a qualidade dessa presença não deve ser posta em causa ou menosprezada. Se não fosse assim, já haveriam “máquinas de ensinar” que o fizessem mais barato. Nas escolas não se aprende só a ler, a escrever e contar. Formam-se pessoas e cidadãos.
Se forem apenas os países com PIB mais elevado a investirem mais na educação, estarão sempre à frente dos outros. E nem sempre tiveram o PIB que têm agora. Quem tem problemas de qualificação mais graves (endémicos mesmo, como Portugal, em que se inclui a Madeira) é quem tem, naturalmente, de fazer um esforço maior na educação. Mas nós temos andado demasiado preocupados com o betão... e depois falhamos nos indicadores de desenvolvimento humano... e na criação de riqueza (PIB).
Já agora, porque haveriam de ser só os professores, entre os trabalhadores com o seu grau de qualificação e especialização, de ganhar por referência ao PIB? Os médicos ganham em referência ao PIB? E os políticos, os gestores de empresas públicas, os directores de serviços, os chefes de repartição? Os advogados ou os arquitectos cobram os seus serviços em referência ao PIB ou em referência ao PIB (rendimento) dos seus clientes? E poderia continuar os exemplos. Sem esquecer que, ao contrário das profissões liberais, os professores não podem fugir a impostos ou declarar que ganham o salário mínimo...
Mais um elemento: Ao contrário do que o governo propagandeia,
Portugal é dos países que investe MENOS na educação
Elemento que, interessadamente, utiliza valores absolutos...
ResponderEliminarO problema é que se tem MESMO investido MUITO nos professores. Mas, resultados... zero.
Daí que os sindicatos deveriam estar a avaliar o que corre mal e alinhar-se com o Ministério na sua correcção. A defesa cega do "status quo" retira toda a credibilidade pública aos referidos.
Se TUDO para TODOS deu maus resultados, decidiram (e bem) avançar com o sistema de progressão é prémio. Assim, distingue-se (valorizando) só os melhores.
Virão ao de cima, por arrasto, os piores?
Então... estão tantos desempregados à espera de entrar para o sistema...
Desses haverá muitos dispostos a trabalhar muito e bem.
Resultados zero? Andam muitos, porque é moda, a empolar e a dramatizar o estado da educação. Esquecendo o nível do atraso de Portugal em 1974 e esquecendo o que já se alcançou nos últimos 30 anos. Não sei quem vai descalçar essa bota, e assumir os efeitos desse empolamento, que visa justificar certas medidas aos olhos da opinião pública. Esta pensa que a delapidação das condições laborais dos agentes educativos melhorará as condições de aprendizagem dos seus filhos...
ResponderEliminarÉ claro que há muito para fazer, é preciso corrigir certos aspectos e dar um salto qualitativo após o esforço de massificação do acesso ao conhecimento já realizado. Mas, precisamente, no momento em que é preciso dar esse salto da qualidade, em que se exige mais e melhor, se pretende precarizar e desqualificar a profissão docente. É um contrasenso. A melhoria do ensino acontecerá, então, como que por milagre... espontaneamente...
Nunca se disse que os professores não deveriam ser avaliados e que os maus profissionais não fossem convidados a sair. Agora, não se pode querer dizer que há uma verdade única, uma "one best way", quanto à avaliação e progressão na carreira dos professores. Como se o Ministério da Educação tivesse toda a razão e os professores nenhuma razão.
Ao menos os professores entram no sistema quando são precisos (vagas abertas em concurso) e por mérito académico (nota de curso) e profissional (nota de estágio). Isso não acontece em muito sectores, com excesso de funcionários e com sistemas de admissão muito pouco transparentes.
Se a docência é assim tão atraente e valorizada, há sempre tempo de reunir as condições, candidatar-se e ingressar na profissão.
Outro elemento (privatização e empresarialização da educação: de direito a serviço-produto): "Stakanovismo pedagógico"