«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

sexta-feira, abril 17, 2009

«Optámos por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro»

É mais fácil atingir quem está mais à mão e lidera os assuntos públicos do que revoltar-se contra as instituições financeiras e especuladores financeiros na origem da actual crise mundial... O perigo não está no Primeiro Ministro português, por mais que discorde de algumas das suas políticas.
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Quando no refrão do tema Sem Eira nem Beira se afirma «Senhor engenheiro / Dê-me um pouco de atenção / Há dez anos que estou preso / Há trinta que sou ladrão / Não tenho eira nem beira / Mas ainda consigo ver / Quem anda na roubalheira / E quem me anda a comer» não há volta a dar.

Então os Xutos e Pontapés não sabem da realidade política e que o Primeiro Ministro é engenheiro? Poderiam ter escolhido uma outra profissão («Senhor banqueiro» ou «Senhor especulador da Bolsa») ou algo mais neutro («Senhor Doutor» ou «Senhor político»).

Depois de escrever estas linhas, encontrei a confissão no Público (14.04.2009): «Zé Pedro, que, diz, até "simpatiza" com o primeiro-ministro José Sócrates, aponta ainda que quando Tim, o vocalista, escreveu o texto para a música de Kalu, tiveram de optar entre "senhor engenheiro" e "senhor doutor": "Optámos por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro, mas nunca quisemos fazer um ataque político directo."»

A seta está apontada a quem dirige a Res Publica: os políticos. E entre os políticos estão à cabeça José Sócrates e Cavaco Silva. E apenas um deles é engenheiro.

Não acho mal a crítica, bem pelo contrário, mas não me digam que não foi intencional. Sobretudo uma banda rock, com um passado punk, em que a consciência social é apurada. Outra coisa é não ficar bem assumir a intencionalidade... até para não arriscar processos por difamação...

«Quem conhecer a discografia dos Xutos & Pontapés sabe que o cariz de intervenção e alerta social marcaram sempre presença nas letras das músicas. Mas os membros desta banda nunca quiseram vestir a roupagem de “líderes de uma revolução política”, nem apoiam, enquanto colectivo, qualquer partido político, assegura Zé Pedro, guitarrista dos Xutos. Por isso, é com alguma surpresa que o grupo assiste à euforia em torno da canção “Sem eira nem beira”, que integra o novíssimo álbum Xutos & Pontapés, disco de originais que foi lançado na passada semana.» (Público 14.04.2009)

Podem dizer que "não há aqui alvos a abater", que "não queremos fazer um ataque político a ninguém", que a "letra exprime mais um grito de revolta" ou ainda que é um "alerta para o estado da Justiça e para uma classe política em geral que, volta e meia, toma atitudes que deixam os cidadãos desamparados", que ninguém acredita.

E toda a publicidade gerada pela polémica serve muito bem à difusão comercial do novo álbum. Por acaso? Por favor...

Todavia, é mais fácil atingir quem está mais à mão e lidera os assuntos públicos do que revoltar-se contra as instituições financeiras e especuladores financeiros na origem da actual crise mundial... O perigo não está no Primeiro Ministro português, por mais que discorde de algumas das suas políticas.

Mas, o Zé Pedro até disse que "simpatiza" com o primeiro-ministro José Sócrates. Imaginemos se não simpatizasse...

Eu estive no primeiro concerto dos Xutos e Pontapés, no Funchal, nos idos anos 80. E curti muito. É quase fatal que acabe comprando o disco.

A letra do tema Sem Eira nem Beira:

Anda tudo do avesso
Nesta rua que atravesso
Dão milhões a quem os tem
Aos outros um passou-bem

Não consigo perceber
Quem é que nos quer tramar
Enganar/Despedir
E ainda se ficam a rir
Eu quero acreditar
Que esta merda vai mudar
E espero vir a ter
Uma vida bem melhor

Mas se eu nada fizer
Isto nunca vai mudar
Conseguir/Encontrar
Mais força para lutar...

(Refrão)
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a comer

É difícil ser honesto
É difícil de engolir
Quem não tem nada vai preso
Quem tem muito fica a rir
Ainda espero ver alguém
Assumir que já andou
A roubar/A enganar
o povo que acreditou

Conseguir encontrar mais força para lutar
Mais força para lutar
Conseguir encontrar mais força para lutar
Mais força para lutar...

(Refrão)
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a foder

Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Mas eu sou um homem honesto
Só errei na profissão

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