«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

segunda-feira, agosto 22, 2011

O que têm hormonas e orgasmos a ver com racionalidade e realismo?


Momentos «ensopados» em testosterona e «pré-coito» são inimigos da racionalidade e do realismo...

«Claro que, mais tarde, Joey percebeu que os primeiros dias ensopados em hormonas de um período de longa abstinência era uma altura menos do que ideal para tomar decisões importantes acerca do futuro», podemos ler no Liberdade de Jonathan Franzen, romance épico americano de 2010 (edição portuguesa de Abril de 2011).

Na mesma página 508 daquela obra monumental, sobretudo pelo conteúdo e não pelo número de páginas, claro, lemos ainda a propósito: «Percebeu que as decisões pós-coito eram mais realistas do que as pré-coito. No entanto, naquele momento, não houvera nenhum pós, fora tudo pré sobre pré sobre pré.»

Esta é uma verdade universal, inerente à condição humana, que afecta o ser humano nas suas decisões. E pode afectar mesmo as decisões mais importantes que se tomam no planeta.

Enfim, não vão ficar a especular se a célebre cena na Sala Oval da Casa Branca se deveu a pouca racionalidade do presidente por estar em estado pré-coital e não pós-coital... Ou qual seria o estado de um outro presidente quando decidiu atacar o Iraque...

Não vamos chegar ao ponto de receitar um coito (e orgasmo) antes da tomada de qualquer decisão, em que o realismo e a racionalidade são importantes para a melhor opção, mas ao estarmos conscientes disso poderemos então "dar o desconto"... e evitar a armadilha da insensatez, da irracionalidade ou do pensamento tomado pela testosterona, também denominado de raciocínio pré-orgásmico.

Tal como não se deve ir às compras no supermercado com fome, mas antes saciado, para não comprar o que não se quer, e evitar se arrepender depois, também não devemos tomar uma decisão com muita tensão hormonal («ensopados em hormonas», como se lê no romance citado), isto é, devemos estar saciados como no pós-coito e pós-orgasmo, para termos a certeza que decidimos o que realmente queremos, com lucidez, com racionalidade, com distanciamento, e não inebriados eroticamente.

Parece que estou a glosar e a decompor uma questão de menor importância, primitiva, mas não deixa de ser uma evidência e uma questão primordial. Necessidades primordiais como o erotismo, a sede ou a fome não são brincadeiras e podem toldar o raciocínio e a acção de quem não tem as necessidades minimamente saciadas ou, diria, aplacadas ou geridas.

A energia erótica é bela e tem um potencial enorme, mas se temos uma decisão importante a tomar e não há hipótese de a tomar numa situação de pós-coito (pós-orgásmica), não vamos entrar em pânico.

Mesmo que esteja num estado de testosterona imprudente... há a hipótese da auto-suficiência, há quem aprecie muito e tem enorme grau de viabilidade pela economia de recursos e ficar ali à mão, mas para os mais pudicos (e menos práticos) há formas místicas e espirituais de sublimar a tensão e as energias eróticas de forma a não nos perturbar ou toldar a racionalidade, seja num comportamento decisório ou de qualquer outro tipo. Isto é, a canalizar a energia para outras dimensões, mais elevadas, do nosso corpo e do nosso ser, com vantagem para nós, as nossas decisões, estabilidade e bem-estar.

(Não fique agora a pensar que, aquelas pessoas que, em momentos de decisão, dizem "vou ali e já venho" vão tratar de passar do perigoso, porque onírico, estado pré-orgásmisco a um estado pós-orgásmisco para fazer disparar os níveis de sensatez.)

No âmbito da religiosidade mais forte, um método de sublimar (aliviar) tais energias seria a auto-flagelação (umas vergastadas auto-infligidas nas costas), mas um bom jejum ou um retiro regado com muita culpa interior, também ajuda.

São meios de purificação que podem ser do seu agrado, desde que tenha o cuidado de o método da auto-flagelação não se tornar patológico ou, muito menos, ganhar contornos ou resvalar para o sadomasoquismo, porque, falando metaforicamente, aí então seria pior a cura do que a doença - ou pior a emenda do que o soneto, para meter alguma poesia nisto.

Importante: não tentar isto em casa.

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