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«Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda a força viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem, talvez, agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos.» (Roland Barthes, Aula - 1978)
Roland Barthes é citado por Rubem Alves no Livro Sem Fim (2004 pp 55-56), continuando o autor brasileiro a escrever que «Barthes diz, então, algo surpreendente: chegara a sua hora suprema, a hora do esquecimento. Chegara o tempo de desaprender os saberes quer havia aprendido. [...] Esquecer significa perder, abrir mão, deixar ir. E, na lógica banal da razão do quotidiano, esquecimento é sempre empobrecimento. [...] Esquecer é diminuir; desaprender é diminuir. [...] Barthes aponta na direção oposta. [...] Ele nos conduz a um outro mundo.»
Rubem Alves cita então Fernando Pessoa, na voz de Alberto Caeiro, a propósito:
«O essencial é saber viver -
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida)
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender...»
«Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu...»
E continua Rubem Alves: «Por que Barthes se referia ao esquecimento como "a força da força viva"? Ele mesmo responde, mostrando que o esquecimento é um processo pelo qual o corpo "raspa" de sua pele as sedimentações operadas pelo passado, mortas [...].
Nós , humanos, para renascer, temos de esquecer - abandonar a casca velha para que a nova apareça [...]. A educação é um processo de sucessivas demãos de tinta sobre o corpo: cascas. O esquecimento e a desaprendizagem são as sucessivas raspagens em busca do esquecido.»
Esquecer e desaprender permite rejuvenescer. Permite o corpo ressuscitar no seu estado original, na sua verdade, na sua essência.
«Permitir o "remanejamento imprevisível" é deixar o sabido e lançar-se no mar desconhecido. "Deixar-se levar" significa "abrir mão do controlo", "ir à deriva", "ao sabor" - naquela atitude a que o taoísmo dá o nome de wu-wei: cessar toda a actividade de controlo consciente para que a sabedoria natural da vida faça o seu trabalho. Para isso, é preciso estar muito bem consigo mesmo. "O homem que está bem sabe como esquecer", dizia Nietzsche; "para isso ele é forte o bastante."
«No poema de número 48 do Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma algo. Na busca do Caminho da Vida a cada dia se diminui algo”.»
«[...] Enquanto nos lembramos e sabemos os saberes, o corpo dorme no esquecimento. [Barthes] sabe que os saberes ocultam algo. Os saberes conscientes ocultam um outro mundo [...] onde mora o que não se sabe. É preciso mergulhar...»
Finalmente, Rubem Alves deixa-nos com uma pergunta: «depois de desaprender os seus saberes, depois de se esquecer do que se lembrava - que foi que Barthes viu?»
Bom mergulho no mistério do Ser e da Vida.
Descobra-o. Viva-o.
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