«A tragédia moderna não reside na falta de informação, mas sim na vontade política insuflada como bolha por essa versão laica do milagre que são as ideologias. No fim, será a dura realidade a prevalecer, pois todas as bolhas estão destinadas a rebentar.»
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Diário de Notícias - novembro 2012
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Uma tragédia moderna
«O que caracteriza as tragédias clássicas é o facto de os personagens envolvidos serem vítimas de um défice de informação. O Édipo de Sófocles, por exemplo, só comete incesto com a sua mãe, Jocasta, por desconhecer a relação de parentesco que os unia. Mas não se trata apenas da literatura. A história empírica, até às sociedades industriais modernas, está recheada de acontecimentos dolorosos que se devem não à deliberação, mas à ignorância. Por exemplo: a maior batalha da "Guerra de 1812", entre os EUA e o Reino Unido, travou-se em Nova Orleãs, em 8 de janeiro de 1815, apesar do Tratado de Paz ter sido assinado em Gande, a 24 de dezembro de 1814. Milhares de homens morreram ou ficaram estropiados porque a travessia à vela do Atlântico era demorada. Mas ontem, no Parlamento português, a aprovação do Orçamento para 2013 assumirá todas as características de uma tragédia moderna. O Orçamento contém em si a passagem da "fadiga fiscal", para a qual há muito Adriano Moreira alertava, para a desobediência fiscal. Os cortes com as despesas sociais aumentarão a precariedade e farão perigar ainda mais uma débil coesão social. O desmoronar do mercado interno aumentará os encargos sociais do Estado com a subida do desemprego. O PIB continuará em rota recessiva, agravada pela perda de velocidade das exportações, em virtude da expansão em mancha de óleo da quebra de poder de compra dos nossos mercados na Europa, a começar com Espanha. A desconfiança dos cidadãos com os partidos e as instituições da III República crescerá perigosamente. Mas tudo isto já foi dito. Tudo isto se sabe. A tragédia moderna não reside na falta de informação, mas sim na vontade política insuflada como bolha por essa versão laica do milagre que são as ideologias. No fim, será a dura realidade a prevalecer, pois todas as bolhas estão destinadas a rebentar.»
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