«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, março 23, 2014

Arte não se submete a nada nem a ninguém

«A arte é aquela que não se submete a nenhum regime, nem ao revolucionário» (Raquel Varela) e «funciona melhor como contrapoder» (Jorge Sousa Braga): é «território do pensamento» e este tem «poder revolucionário» (Eduardo Agualusa)

Embora no entender de Ricardo Araújo Pereira, a frase de Bernardo Soares «todos os revolucionários são estúpidos», retirada do Livro do Desassossego, seja «mais uma posição estética do que ideológica», não deixou de resumir a questão desta forma: «o curso do mundo é uma onda de tsunami e pensar condicioná-lo é estúpido.» E concluiu que o mundo é para ser contemplado.» Isto numa conversa cruzada integrada no Festival Literário da Madeira 2014, com moderação de Paulo Cafôfo, presidente da autarquia do Funchal, no dia 22 de Março, no Teatro Municipal Baltazar Dias.

Antes disso, a historiadora Raquel Varela, começou por reconhecer que «alguns são» estúpidos, mas que os revolucionários se distinguem por «não se enganarem a si próprios». Os revolucionários são os que «dirigem» as revoluções. Estas, que são «inevitáveis e ocasionadas dentro de regimes déspotas», são feitas pelo povo (ao subscrevê-las, ao lhes dar carne, diria eu...). E deu conta de vários exemplos ao fazer um périplo pelas revoluções do século XX.

O humorista citado referiu que «às vezes desistir é mais ajuizado do que interferir», já que «aleija menos e provoca menos desilusões». Sobre o poder do humor, disse que «há coisas que não consigo combater», dando conta dos limites revolucionários da comédia e «reconhecendo a impotência». Apesar disso, o humor «torna a derrota mais doce ou menos amarga». É um «prazer e transgressão na cara do medo». Remataria assim: «trabalho com o meu ponto de vista, a minha perspectiva e sou livre para falar sobre o que entender. O meu trabalho é fazer rir as pessoas da maneira que eu quiser».

O poeta portuense Jorge Sousa Braga arrancou com um verso de Vladimir Maiakóvski, «a canoa do amor quebrou-se contra o quotidiano», e colocou a questão num outro plano, ao dizer que são importantes as «pequenas revoluções interiores no quotidiano.»

José Eduardo Agualusa considera que «não há mais nada de subversivo do que o riso», mas Ricardo Araújo Pereira opina que «este não tem tanto poder.» É uma espécie de «arma dos fracos porque não têm acesso às outras armas que matam mesmo.» Para o humorista, a «comédia não tem poder real», embora «aborreça um bocadinho». E ilustrou com uma metáfora: «usar a comédia para derrubar um regime é usar a doçaria conventual para ir à lua.» Tem influência mas não sabe até onde.

Jorge Sousa Braga diria que arte «funciona melhor como contrapoder.» «A arte é aquela que não se submete a nenhum regime, nem ao revolucionário», defendeu Raquel Varela. Sendo a arte «território do pensamento», como colocou José Eduardo Agualusa, esse pensamento tem «poder revolucionário».

O escritor angolano afirmou que a revolução de 1974 começou com a «poesia e um movimento cultural». Raquel Varela encontra na miséria ou na guerra razões objectivas que funcionam como detonador das revoluções, mas que não sabemos quais as razões subjectivas, a ver com a dimensão humana, com os limites, a humilhação, a injustiça, entre outros factores.

Ricardo Araújo Pereira considera «estúpida» a violência, sendo o humor uma forma de «provocar convulsão física sem tocar» nas pessoas. E até pode ser «agressão sem tocar» fisicamente, como o caso do escárnio. Daí considerar que o «humor partilha a mesma estrutura do mal», mas que é o «último reduto da liberdade e da resistência.» Raquel Varela deu a nota que a «violência não faz parte da revolução e acontece mais por parte da contra-revolução.»

A historiadora deu ainda conta que as «pessoas acreditam na natureza humana», mas «eu não». E explicou: «não vale a pena idealizar as pessoas», até porque «a maioria das pessoas entrou no 25 de Abril [de 1974] com a mesma coragem com que tinha medo antes», durante a ditadura. O povo, o colectivo, as massas são a necessária presença para confirmação das revoluções pensadas por uma elite, acrescentaria eu. E rematou com um «nós não somos», porque há uma diferença entre ser e estar.

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A propósito:
Arte é independência

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