«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

quarta-feira, março 12, 2014

"Depois" que poderia ter menos perdas e mais ganhos


Na série de fotografias que o Jornal da Madeira está a dedicar à obra feita, na rubrica "Antes/Depois" (isto é, Madeira Velha/Madeira Nova), chegou a vez da famosa e polémica proteção/estrada/promenade no Jardim do Mar, na página 3 da edição de 11 de Março de 2014. Muita tinta fez correr no início deste século.

Desde logo, a perspectiva das referidas imagens salienta o lado mais asseado, digamos, mas há outras perspectivas que mostram o menos "belo", nomeadamente da enorme e intrusiva massa de antifers. A paisagem natural, endémica e autêntica saiu maltratada...

A Autonomia foi, é e será fundamental para a Madeira, não há qualquer dúvida. Ser autonomista passa também por ter orgulho e defender o exotismo e a autenticidade do património natural das nossas ilhas, que também é o nosso sustento, além de ser parte da nossa identidade, já que é a base da actividade turística e do seu futuro.

A legenda das duas imagens salienta vantagens, algumas delas se calhar a serem potenciadas no futuro (fala-se em investimentos russos para breve, por exemplo), já que o retorno desta obra megalómana está por acontecer em termos de estabelecimentos comerciais e turísticos.

Não se referem, pois, as perdas. Além do investimento inicial na obra, está sujeita a desgaste em confronto directo com o mar (os enrocamentos têm "metido água"); cobriu-se toda a praia de calhau numa extensão de cerca de setecentos metros; comprometeu-se a actividade da apanha da lapa pelos locais; é uma obra exagerada na dimensão a contrastar com a freguesia pitoresca de ruas e becos estreitos; comprometeram-se as condições únicas da famosa onda do surf da Ponta Jardim, com consequências na economia local; entre outros prejuízos bem documentados, nomeadamente no arquivo deste blogue. Na altura, alguns defenderam a redução da dimensão da obra (nunca foram contra a protecção). Poderia ter havido maior equilíbrio entre ganhos e perdas.

Além de de tudo o mais, a maior insegurança do Jardim do Mar reside na estrada regional que lhe dá acesso, por causa das derrocadas. Deveria ter sido essa a maior prioridade, já que o penhasco sobranceiro ao referido acesso rodoviário apresentava e apresenta uma maior ameaça e insegurança do que o mar para a freguesia e os seus habitantes ou visitantes.

Poderia ter havido uma melhor ponderação, na altura. Uma promenade mais estreita, mais económica, com mais ganhos do que perdas, e que tivesse libertado algum investimento para dar mais segurança à estrada de acesso ao Jardim do Mar. Mas, o objectivo era ganhar 50 metros relativamente à linha de água, de forma a possibilitar investimentos (com as Leis nº54/2005 e nº 78/2013 sobre o domínio público marítimo, será vantajoso para a população ter as propriedades privadas pelo menos a essa distância do mar).

Parece razoável defender o investimento e desenvolvimento (sofisticação e comodidades para a população local) em equilíbrio com o acautelar do futuro da nossa economia (turismo) por via do património natural, que é impressivo e exuberante para quem nos visita. Desenvolver sem matar a galinha dos ovos de ouro (sem artificializar demasiado), por alguma tentação de ganância ou desvalorização da importância estratégica desse património natural.O segredo e a dificuldade está em conciliar as duas vertentes referidas.

Depois de muita atenção à sofisticação (muita dela absolutamente necessária, mas com algumas intervenções exageradas e desastrosas, nomeadamente na costa marítima) para a evolução das condições de vida básicas no arquipélago, é hora de defender com mais eficácia a natureza autêntica da Região, a nossa riqueza fundamental, além das pessoas, claro, com melhor critério e melhor ponderação face aos últimos 20 anos.

Uma última nota. A causa ambiental vale por si mesma, não é passível de ser misturada de algum modo com a luta político-partidária. A independência de causas e movimentos ambientais é fundamental. Só assim se obtém o necessário apoio dos cidadãos para essas causas e se ganha a credibilidade necessária na defesa do património que é colectivo.

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